Voar Preciso

Alexandre Oliva

Publicado na vigésima-terceira edição, de fevereiro de 2011, da Revista Espírito Livre.

Já ouvi dizer que, em sonhos, voar representa a liberdade. Um sonho que tive no fim do ano passado não deixa muita margem a dúvidas. Foi um tanto auto-biográfico: além de revelar o quanto me perturbam chamando o GNU por outro nome e usando o respeito a algumas liberdades como isca, conta o que me trouxe, voando, ao Software Livre: os bugs.

Pois sonhei que fui a um zoológico, onde os animais viviam soltos, aparentemente livres. Logo me dei conta de que eram de fato prisioneiros: o zoológico era cercado, não podiam sair.

O ponto mais divertido da visita foi depois de um espírito de porco decidir infernizar a vida de um gnu que ali vivia. O bicho era amigável, pacato, dócil, tranquilíssimo, incapaz de fazer mal a uma mosca, mas tanto o sujeito o cutucou e atazanou que o gnu se aborreceu e disparou atrás dele.

E o gnu não era bobo, não! O chato tentava driblá-lo, misturando-se na multidão e entre outros animais, mas o gnu não perdia o rastro e seguia atrás. Cheguei a temer pela integridade física do sujeito, por mais que ele merecesse, mas o gnu era tão da paz que ficou só no susto.

Na saída do zoológico, apesar de se oferecer a cada pessoa uma visita gratuita, cobradores forçavam a barra pedindo doações, insistindo sobre as despesas de manutenção do zoológico. Havia também uma loja de lembrancinhas super inflacionadas e apelativas, para induzir a compras por impulso. Pedir contribuição, tudo bem, mas respeito à liberdade alheia não é isca pra atrair, enganar e extorquir mais gente! É questão ética básica, essencial para a boa convivência em sociedade. Fiquei super aborrecido com o “Open Zoo”.

Deixei os cobradores para trás, mas notei que uma figura de aparência suspeita me seguia. Tentei despistá-la, sem sucesso. Quando me dei conta, havia sido conduzido a um beco sem saída, onde a figura se revelou um inseto um pouco mais alto que eu, com aparência não muito agradável.

Explicou-me que ele e seus semelhantes trabalhavam no zoológico, praticamente como escravos, mas que vários deles, junto com alguns humanos, estavam construindo lá fora uma comunidade onde viveriam em harmonia e liberdade, e que eu estava convidado a me unir a eles.

É claro que aceitei! O inseto tirou o casaco que disfarçava suas asas, nos seguramos firme e alçamos voo. Em instantes, já sobrevoávamos o território da comunidade livre, e fiquei indescritivelmente emocionado de ver, lá do alto, a maneira como trabalhavam cooperativamente e as maravilhas que já haviam conseguido construir. Não tive dúvidas: ali era meu lugar!

De verdade, foi isso que eu sonhei, com gnu da paz, voo para a comunidade livre e tudo mais. Agora, apesar de eu não ser um bug gigante, tenho a alegria de poder estender o convite a quem queira ser também parte da nossa comunidade, pois ela existe de verdade! Só não vale se tiver espírito de porco: é preciso espírito livre para voar.

Convenhamos, com um sonho desses, fica evidente que voar preciso. Todos precisamos! E você, já encontrou o bug dos seus sonhos?


Copyright 2011 Alexandre Oliva

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