Pragmatismo Sustentável

Alexandre Oliva

Publicado na décima-sétima edição, de agosto de 2010, da Revista Espírito Livre.

Muita gente justifica a escolha de software privativo com a velha desculpa do pragmatismo. É difícil nessa hora não lembrar do plano infalível de um lojista para vender mais: oferecer produtos abaixo do preço de custo. “Eu perco um pouco em cada venda”, explica, “mas ganho no volume!”

É claro que, se a meta do sujeito for tão somente vender mais, o plano funciona, pelo menos por um curto período. Afinal, se cada venda traz um prejuízo, quanto mais vendas houver, maior será o prejuízo, até que o dinheiro finalmente acabe. Não é sustentável.

Agora, se o objetivo dele for obter lucro, pelo menos a justificativa do plano é falha. Mesmo assim, é possível imaginar casos em que vendas abaixo do custo fazem sentido: recuperar parte do custo de produtos encalhados, ou seduzir e cativar clientes para que posteriormente façam compras mais lucrativas para a loja. No entanto, não são práticas sustentáveis. São medidas de curto prazo, para reduzir perdas passadas ou investir em lucros futuros.

Que tem isso a ver com o Movimento Software Livre? De fato, não muito. Tem muito mais a ver com outro movimento que se originou no nosso, e que frequentemente se faz passar pelo nosso, cultuando porém um suposto pragmatismo tão insustentável quanto o do lojista que vende abaixo do custo.

Não temos necessidade imediata de fazer sacrifícios para “desencalhar produtos”, mas há quem defenda uma “redução de custo” para ganhar massa crítica, isto é, para seduzir e cativar usuários, de forma que em seguida nos tragam maior benefício.

Se o objetivo fosse apenas “vender mais”, isto é, alcançar mais usuários, a medida de adicionar componentes privativos de liberdade para tornar o produto “menos custoso” se justificaria e, evidentemente, tem funcionado para promover “mais vendas”.

Infelizmente, não é sustentável oferecer esses pacotes de “menor custo” de adoção, pois carregam consigo a ideia de que é inteligente, vantajoso, pragmático aceitar componentes privativos. A massa crítica atrairá cada vez mais fornecedores interessados em seduzir e cativar usuários, porém, quem aprendeu que é inteligente e vantajoso aceitar software privativo não hesitará em lhes ceder suas liberdades e, de fato, insistirá para que o distribuidor não lhe “aumente o custo” (dificuldade) de adoção, nem lhe restrinja a liberdade de escolha, excluindo da distribuição o software privativo que os fez cativos.

Ao contrário: distribuidores são pressionados pela crescente massa a poluírem seus produtos com cada vez mais software privativo, como vem ocorrendo com o núcleo Linux e as distribuições mais populares de GNU+Linux. Acabam dando mais importância a “vender mais” que aos prejuízos ambientais ao ciberespaço. Como o lojista, crêem lucrar no volume, mas quanto mais vendem essa ideia, mais acumulam prejuízo. Enquanto isso, (des)orientada por um suposto pragmatismo imediatista e insustentável, essa massa marginaliza distribuidores que ousam rejeitar os poluentes privativos, incompatíveis com o objetivo do Movimento Software Livre.

Vale lembrar que nosso objetivo não é “vender mais” Software Livre para mais usuários, nem mesmo “obter lucros” em Liberdade de Software, mas sim conquistar a plena liberdade no ciberespaço, para todos os usuários de software. Enquanto houver gente vulnerável, desorientada, disposta a aceitar a privação das liberdades, a ceder o controle sobre suas computações e seus dados, encontrará quem ofereça vantagens aparentes para seduzi-la e, depois do fim das insustentáveis vantagens aparentes, usar o controle obtido para fazer-lhe vendas cada vez mais lucrativas e, ainda assim, mantê-la cativa, mesmo contra sua vontade.

Na falta de mecanismos para defender usuários de abusos de fornecedores, a estratégia pragmática e sustentável é orientar cada usuário a tomar consciência do valor de suas liberdades essenciais e agir também de forma sustentável, evitando cair em novas armadilhas, tratando de se libertar das que já o houverem capturado e, naturalmente, difundindo a atitude e a estratégia sustentáveis, para que cada vez mais usuários, exigindo respeito, tornem insustentáveis as práticas abusivas.


Copyright 2010 Alexandre Oliva

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