Liberdades, Exclusão e Licenciamento de Software e Outras Obras Culturais

Alexandre Oliva

Introdução

Leis originalmente favoráveis à sociedade têm sido subvertidas, concedendo poderes de exclusão injustos, que não servem ao bem comum, exigindo esforços adicionais de quem queira respeitar liberdades essenciais dos demais.

Este artigo tem início discutindo as bases sociais para algumas leis que introduziram mecanismos de exclusão (marcas, patentes, direito editorial e até contratos), assim como algumas formas como foram subvertidas em mecanismos de privação de liberdades essenciais. Passa então a discutir o processo de licenciamento, não apenas como parte dos processos estabelecidos nas leis, mas também como forma de combate às privações injustas.

Avança então para o tema do Software Livre, detalhando e justificando as liberdades essenciais e mostrando como cada um dos mecanismos de exclusão abordados tem sido usado para restringi-las. A sessão seguinte discute diferenças jurídicas, filosóficas e históricas entre as várias famílias de licenças de Software Livre. Finalmente, expande-se o escopo para outros tipos de obras culturais, analisando semelhanças e diferenças entre seus usos, justificando assim, nesses outros contextos, a possibilidade de conjuntos alternativos de liberdades essenciais e portanto de outras políticas de licenciamento socialmente justas.

Para temperar um texto tão longo, não faria mal uma pitadinha de humor. Hmm, vamos ver...

Intervalo comercial

Interrompemos nossa programação para um boletim urgente!

Foi condenado à morte, por trair os interesses de sua nação, o cientista dos Estados Unidos de Pãnico que inventou uma fantástica máquina, capaz de copiar objetos e substâncias quaisquer. Foi também aprovada a lei que proíbe o uso da máquina para copiar pão fresco.

Assista, logo mais, ao capítulo de estréia da nova novela "União dos Estados de Pãnico", uma história comovente, cheia de surpresas emocionantes, intrigas quentíssimas, injustiças revoltantes e muita, mas muita sacanagem mesmo!

Essa super novela vai mexer com sua cabeça, seu estômago e seu bolso! Não perca! Logo após o noticiário, aqui, na Sê Livre TV!

Função Social das Leis

Não faz sentido uma sociedade estabelecer uma lei que imponha grandes sacrifícios e prejuízos a quase todos para privilegiar somente alguns poucos. Sociedades justas estabelecem leis para promover o bem comum e os interesses coletivos, não para criar privilégios ou para atender interesses externos antagônicos aos daquela sociedade.

Surgem assim mecanismos para defender a integridade e a honra dos cidadãos contra agressões, físicas ou morais; para defender o usufruto de bens conquistados licitamente, conquanto cumpram sua função social; para promover o cumprimento de acordos justos; para incentivar comportamentos favoráveis à sociedade e coibir os prejudiciais.

Perde a sociedade quando mecanismos criados para promover o bem comum são transformados em privilégios impróprios e injustos. Vejamos como.

A fantástica máquina de copiar

Imagine que desenvolvessem uma máquina mágica, capaz de copiar qualquer objeto ou substância, sem custos: energia, suprimentos, nada.

Se bate à minha porta alguém com fome e pede um pedaço de pão, ponho o pão que guardei para comer mais tarde na máquina e posso partilhar o pão com quem tem fome, sem precisar eu mesmo ficar com fome depois. Posso ainda copiar um prato com arroz, feijão, batatas, carne, ovos, e até frutas e doces, sem que nada disso me venha a faltar.

Se alguém com frio bate à minha porta, copio-lhe um agasalho, um cobertor para a noite e, por que não?, uma capa de chuva e um guarda-chuva, para as intempéries previstas para o dia seguinte.

Se um enfermo me pede ajuda para comprar um medicamento que necessita para curar a doença e aliviar a dor, copio-lhe um frasco que por sorte tinha no armário, que eu usara parcialmente para me curar e aliviar.

Se descubro que o país está prestes a importar petróleo a preços altíssimos, faço cópias da própria máquina e as utilizo para copiar o petróleo que ainda temos estocado.

Que mundo diferente seria!

Claro, haveria resistência às mudanças proporcionadas pela máquina.

Quiçá os panificadores e as indústrias agropecuárias se oporiam ao uso da máquina para copiar alimentos. As indústrias de tecidos, de roupas, de guarda-chuvas, de remédios, talvez se opusessem aos usos correspondentes. Proporiam leis para proibi-los, a fim de preservar artificialmente a escassez na qual baseavam seus modelos de negócio.

Países com grandes reservas de petróleo e outros valiosos recursos minerais se oporiam ao uso da máquina para copiar seus produtos de exportação, exigindo da Organização Mundial de Comércio o banimento dessa prática de cópias e a aplicação de sanções comerciais a quem se valesse dessa forma mais eficiente de produção.

Deveria a sociedade aceitar essas proibições, para preservar modelos de negócios tornados obsoletos por um avanço mágico-tecnológico? Deveríamos todos nos sacrificar em favor de interesses mesquinhos que buscam cercear à sociedade o aproveitamento desse avanço? Por que deveria a sociedade aceitar esse sacrifício, contrário ao bem comum?

Infelizmente, a história está cheia de exemplos de manipulação da opinião pública para fazer parecer que tais sacrifícios são aceitáveis e até justificáveis. Vamos nos aprofundar em alguns deles. São freqüentemente formatados e amalgamados num arcabouço imaginário chamado "propriedade intelectual", num afã de induzir sua consideração e sua aceitação por analogia (descabida, vale dizer) à propriedade sobre o tangível, e de fazer parecer que as questões nele confundidas guardam entre si alguma semelhança.

Antes, porém, assistamos ao primeiro capítulo de "União dos Estados de Pãnico". Qualquer semelhança com fatos e pessoas reais NÃO é mera coincidência.

União dos Estados de Pãnico, primeiro capítulo

Era uma vez, num país bem, bem distante, os Estados Unidos do Pãnico, um cientista que usou os conhecimentos acumulados ao longo de séculos de pesquisa em seu país para desenvolver a fantástica máquina de copiar. Entendendo que não merecia sozinho os frutos do trabalho de tanta gente, divulgou a forma de construir a máquina para todos. Em retribuição, atiraram-lhe muitas pedras.

Foi condenado à morte, por trair a nação, ao colocar em risco sua maior, mais antiga e mais poderosa indústria: a de pães. Tão poderosa e antiga que deu nome à ilha onde se estabeleceu o país: Pãn'k, no dialeto local, transcrito para nosso idioma como Pãnico.

Interlúdio cultural "Na outra ponta da língua": É curiosa a coincidência dos termos utilizados para se referir à produção de pão e a temores desmedidos. A maioria dos historiadores e lingüistas concorda com a tese da corruptela progressiva da locução Pãn kadẽ: a falta de pão assolou a região em períodos de seca prolongados, tornando as pessoas que vivem em Pãnico particularmente suscetíveis, especialmente à perspectiva de falta de seu alimento mais essencial. Durante esses períodos de seca, em que se reforçava a adoração à divindade T'pãn, o padeiro que subisse preços de forma excessiva, agravando ainda mais a mazela da população, era tachado de pãn'k demõniu, termo que, com o passar do tempo, passou a se referir aos barulhentos protestos contrários aos aumentos.

Consta que, ainda que a indústria de Pãnico tenha visto com olhos arregalados os avanços da prática e da teoria da Mekãn'ka Pãn't'ka que possibilitaram a novidade, o pãnico generalizado tomou forma não por iniciativa da própria indústria, mas sim das pessoas que viviam em Pãnico, ao perceberem que um pão copiado era exatamente tão fresco ou velho quanto o original. De fato, a máquina copiava também o bolor do pão, chamado ainda Pãn'çilin', embora a crença de que se tratasse de maus espíritos que vinham comer do pão, mas ficavam çilĩn' (presos) no pão velho e duro, houvesse caído no esquecimento havia séculos. De todo modo, com essa forte associação ao pão, o termo çilĩn' passou a significar também estragado, velho, impuro.

Expoentes do Partĩd' Pãn Nõçtr' (Partido Pão Nosso, o único do país, depois da fusão do Partĩd' Pãn Mẽu com o Partĩd' Pãn Çẽu) temiam que o uso indiscriminado das máquinas para copiar pão faria com que ninguém mais quisesse fabricá-lo. O pão copiado, por sua vez, ficaria cada vez mais velho, duro e impróprio para o consumo. Levaria a indústria e o país à ruína, e a população à insatisfação generalizada e à fome. Concluíram, cegos pelo pãnico, que a criação de algum mecanismo de incentivo, para que os panificadores continuassem produzindo pão fresco, era essencial para atender a uma necessidade social.

Assim aprovaram legislação que implantava uma escassez artificial, exigindo permissão do padeiro para copiar pão fresco. Abria-se exceção somente para fome urgente e imprevisível. Pão amanhecido poderia ser copiado sem necessidade de qualquer autorização.

Ocorreu que muitas padarias, receosas dos riscos proclamados durante os debates públicos, aumentaram os preços por conta própria, ante a dúvida de que os cidadãos cumprissem a lei. Não deixaram, porém, de usar as máquinas de copiar para reduzir seus custos: as fornadas, antes de centenas de pães, se tornaram unitárias e raras, sendo as máquinas utilizadas conforme os pedidos dos clientes.

Os efeitos foram devastadores: os preços se tornaram tão altos que quem pretendia cumprir a lei teve de reduzir seu consumo de pão para não estourar o orçamento. Formavam-se ainda longas filas, à espera das cópias legítimas, já que primeiras máquinas não eram exatamente rápidas.

Houve quem recorresse à desobediência civil como forma de protesto contra os abusos: utilizavam as máquinas em casa, copiando pão fresquinho para consumo da própria família. Não que não gostassem de encurtar a espera, claro. Outros copiavam para distribuir em favelas.

Alguns viram até uma oportunidade de negócios, e passaram a comprar pão fresco na padaria da esquina para multiplicar e vender nas ruas, a preços antigos, pelo que foram chamados pãn'e lõ, pão fora-da-lei. Com o tempo, locais em que se comercializavam objetos copiados em geral, não apenas pão, passaram a ser conhecidos como pan'elõdromoç.

A indústria se enfureceu, e foi assim que a massa começou a desandar...

A seguir, cenas do próximo capítulo: o império do pãnico contra-ataca, acionando a polícia, adotando novas práticas de propaganda e de lobby e até um novo modelo de negócio, baseado em licenciamento restritivo e até DRM.

Marcas

A exclusividade no uso de marcas e logotipos se justifica socialmente como mecanismo de proteção ao consumidor.

O estabelecimento de uma reputação associada a uma marca permite ao consumidor estabelecer uma relação de confiança com o fornecedor que utiliza a marca, em relação à boa qualidade de uma família de produtos ou serviços.

Um fornecedor alternativo que ofereça um produto de qualidade inferior, fazendo-se passar pelo de qualidade melhor, prejudica a reputação daquele que zela pela qualidade de seus produtos. A lei de marcas busca remediar esse tipo de situação, concedendo ao titular de uma marca (não ao consumidor, que tem outras defesas disponíveis) mecanismos de oposição ao uso não autorizado da marca por outrem. Presume-se que o titular da marca, ao utilizar seus recursos (maiores que os de consumidores invidividuais) para defender a marca, estará assim defendendo o consumidor.

Daí a utilizar marcas para excluir competidores a distância é grande, mas assim ocorre. Um exemplo típico, ainda que fútil, são os materiais esportivos, tanto os uniformes quando os produtos comemorativos. Patrocinadores de eventos licenciam suas marcas, isto é, autorizam formalmente a utilização limitada de suas marcas em camisetas, bolas, etc, garantindo a exclusividade na comercialização para o fabricante "oficial", impedindo outros de oferecerem produtos similares.

É a subversão do objetivo das marcas, que passam de mecanismo de proteção do consumidor a de criação de monopólios opostos aos interesses ao consumidor.

Tal subversão só se faz possível ao se perder de vista o bem almejado na criação de leis de marcas, tomando-se a idéia de titularidade e uso exclusivo, isto é, de propriedade de marcas, como um direito em si mesmo, conquistado pela mera criação, divulgação e uso do marca, ao invés de como concessão e sacrifício da sociedade por um benefício maior.

A exclusividade no uso comercial de uma marca, isto é, o poder de impedir judicialmente que outros utilizem marcas idênticas ou mesmo similares (intencionalmente ou não), está sempre limitada a um determinado mercado, tanto no sentido territorial (geográfico e jurisdicional) quanto no setorial (linha de produtos ou serviços). Por exemplo, uma marca usada no setor alimentício, ou no mercado fonográfico, não entra em conflito com marca similar usada na área de informática, pelo menos enquanto os titulares das marcas não entrarem nos setores de mercado um do outro.

O registro de marcas é sempre opcional, mas faz mais ou menos diferença, dependendo da jurisdição, para quem queira impedir o uso, por terceiros, de marcas similares, ou para quem queira explorar uma prática, de benefício social no mínimo duvidoso, decorrente da perda de compreensão dos propósitos desse mecanismo de exclusão: a venda de autorizações de uso de marcas.

Patentes

A exclusividade temporária no uso de técnicas industriais inovadoras se justifica socialmente como mecanismo de incentivo à publicação das invenções.

Com esse mecanismo, inventores que guardariam segredo sobre suas técnicas, colhendo vantagens exclusivas até que outros as recriassem, podem preferir garantir a exclusividade por algum tempo, sem o esforço de guardar o segredo, e ainda acelerar o progresso da ciência e da tecnologia, oferecendo o conhecimento à sociedade imediatamente.

Não é evidente que seja vantajoso, nem para o inventor nem para a sociedade. De fato, muitas vezes, não é. Há muitos fatores difíceis de avaliar ou prever: o benefício alcançável com a invenção, mantida em segredo ou patenteada; a perda para a sociedade, talvez definitiva, caso o segredo morra junto com o inventor; o prejuízo para a sociedade de não poder utilizar a invenção, conhecendo-a ou não; as chances de a invenção ser superada ou recriada de maneira independente, por alguém que não fosse mantê-la exclusiva.

Por se tratar de um incentivo à publicação de invenções, só funcionará se o inventor perceber potenciais vantagens para si. De outro lado, só faz sentido a sociedade fazer sacrifícios que tenham grandes chances de trazer benefícios maiores. É um equilíbrio difícil.

Em sua concepção original, patentes funcionam assim: o inventor de uma técnica com aplicação industrial se dirige a escritórios de registro de patentes nas jurisdições onde pretenda pleitear a exclusividade no uso industrial da invenção. Deposita um pedido de patente, pagando algumas taxas e entregando uma descrição da invenção. O escritório de patentes publica o pedido após algum tempo, avalia a patenteabilidade, a originalidade e a não-obviedade da invenção, e finalmente concede ou rejeita a patente.

Uma vez concedida, a patente se presume válida, e pode ser utilizada como mecanismo de exclusão, para impedir, na jurisdição que a concedeu (patentes são territoriais), usos industriais da técnica descrita, até que seu período de vigência expire.

Se dois inventores têm a mesma idéia, quem registrar a invenção primeiro tem prioridade. O segundo, se não avançar o estado da arte sobre o que o primeiro registrou, não deverá receber uma patente, mesmo que tenha chegado ao mesmo resultado de forma independente. Se avançar, poderá receber patente sobre o avanço, sem dever nada ao primeiro pela sobreposição (assim se acelera o progresso), mas quem queira utilizar industrialmente sua técnica estará sujeito ao poder de exclusão dos dois, cada qual podendo relaxar ou defender sua exclusividade de forma independente.

Sujeitar uma invenção independente às restrições de uma patente anterior equivalente é um caso em que a sociedade claramente perde. Melhor seria ter encurtado a vigência ou não ter concedido a patente, já que, no mínimo, surgiria competição e, no melhor caso, a invenção se tornaria disponível para todos mais cedo. Mas garantir a exclusividade, mesmo em face de invenções independentes, é justamente o incentivo para induzir à publicação. Daí a importância de se estabelecerem prazos de vigência e critérios de patenteabilidade e de não-obviedade de modo a minimizar as chances de que ocorra o caso de perda para a sociedade.

O prazo, na legislação vigente, é o mesmo para qualquer patente. Não precisava ser assim. Uma estimativa sobre o tempo para uma invenção independente, embora difícil, poderia ser usada para variar a duração das patentes concedidas, reduzindo o risco para a sociedade, ainda que também o incentivo para o inventor. Além disso, não há razão para que a duração de patentes seja a mesma para todas as indústrias, das mais antigas, que tendem a se mover mais lentamente, para as mais novas, que avançam em ritmo alucinante. Aplicar os longos prazos que fazem sentido nas indústrias mais consolidadas àquelas que desbravam férteis terras virgens exige um sacrifício muitíssimo maior da sociedade, pondo em dúvida a possibilidade de que os benefícios o superem.

Originalmente, eram patenteáveis somente técnicas com aplicação industrial, isto é, que envolvessem transformação de matéria ou uso de máquinas específicas. Excluem-se assim descobertas, teorias científicas, fórmulas matemáticas e algoritmos, métodos abstratos, regras de jogos, padrões de enredos, processamento e apresentação de informações em geral e software em particular, assim como materiais biológicos e técnicas médicas.

A subversão da finalidade das patentes, de mecanismo de incentivo à divulgação de invenções com aplicação industrial, a um suposto direito natural dos inventores de obter remuneração por seus inventos, tem levado a interpretações criativas dos termos "aplicação industrial" e dos termos de tratados internacionais sobre patentes, num esforço relativamente bem sucedido de estender a patenteabilidade a áreas do conhecimento em que as patentes foram consideradas, desde sua instituição, prejudiciais. As pressões de alguns países desenvolvidos para estender essas interpretações, através de acordos bi- e multi-laterais, assim como em tratados internacionais impostos pela Organização Mundial de Comércio (e não na que normalmente trata de questões de patentes, cujos tratados são de adesão voluntária, sem pressão por meio de sanções comerciais), tem encontrado respaldo em escritórios de patentes de diversos países, entre eles o Brasil.

No caso particular do software, explicitamente excluído pela legislação vigente, recorre-se ao subterfúgio de vinculá-lo a um computador, ou sistema de computação, e às transformações de dados para obter patentes em contrariedade à legislação. O mesmo subterfúgio tem sido utilizado nos EUA há décadas, ainda que pareça começar uma tendência para rejeitá-lo, como ocorreu em outubro de 2008 numa corte federal dos EUA. Cabe questionar qual benefício traz para a sociedade brasileira a concessão de poderes exclusionários, relativos a patentes de software, quase que somente para inventores estrangeiros, além do pequeno aumento de receita para o Instituto Nacional de Propriedade Industrial, responsável pelo registro de patentes no Brasil. Essa receita não justifica o sacrifício da sociedade brasileira, em particular das empresas, desenvolvedores e usuários de software, que de outra forma não estariam sujeitas às restrições de um tipo de patentes já rejeitado em boa parte do mundo. Não justifica aceitar se submeter à paralisia da indústria restritiva de software, prevista como conseqüência das patentes de software em 1991, por ninguém menos que Bill Gates.

Obviedade

Exige-se, para concessão de uma patente, um passo inventivo que alguém, ciente do estado da arte, não considere uma evolução óbvia. Na prática, muitas patentes concedidas são triviais. Porém mesmo que o esse critério fosse seguido de forma mais estrita, não seria suficiente para se adequar à justificativa social que motiva a concessão de patentes.

Além dos pontos já mencionados sobre a perda social em caso de invenção independente, o critério de obviedade hoje adotado é excessivamente fraco, pois se limita a avaliar a dificuldade de repetir a invenção dado o estado da arte anterior, não a dificuldade de inferi-la retroativamente.

Uma patente retroativamente óbvia, isto é, que alguém exposto ao resultado do uso da técnica seria capaz de reproduzir sem muita dificuldade, não justifica um sacrifício da sociedade para incentivar sua publicação: a mera exploração industrial da invenção já a tornaria pública de fato, tornando a privação de todos inteiramente vã.

Lamentavelmente, a subversão do objetivo das patentes tem feito a sociedade perder de vista o sentido social que justifica sua concessão, levando à aceitação, por analogia inadequada, de patentes de software, de interfaces, de métodos de negócio, de modificações genéticas em seres vivos, de medicamentos, entre muitas outras.

Sem apoio numa justificativa social, tornam-se mecanismos de geração de injustiça, como por exemplo medicamentos que poderiam ser replicados a custos baixos, por terem princípios ativos de fácil identificação e produção (isto é, retroativamente óbvios), mas que se tornam inacessíveis e portanto às vezes fatais para populações carentes por força do poder de exclusão das patentes.

Não se trata de desmerecer os investimentos em pesquisa para chegar ao medicamento ou a qualquer outra invenção. Simplesmente esse ponto não faz parte da lógica que justifica as patentes. Mesmo que a rejeição de tais patentes desencorajasse a descoberta de um medicamento específico, o resultado não seria uma sociedade em que o poder econômico individual consegue comprar vida, enquanto o mais pobre fica condenado ao sofrimento ou mesmo a uma morte evitável. A não existência do medicamento evitaria essa injustiça, ainda que por certo seria melhor para todos se o medicamente existisse e todos pudessem utilizá-lo quando necessário.

Trolls e campos minados

Cabe ainda criticar a transformação do mecanismo de garantia de exclusividade, de modo que o inventor pudesse se valer das vantagens produtivas de sua invenção para auferir lucros com seus produtos industrializados, em mercados virtuais anti-produtivos e numa indústria de terror.

Os chamados "trolls de patentes", ao invés de fazer uso produtivo da técnica patenteada em indústrias próprias, não se dedicam à produção, mas sim à extorsão através de patentes compradas de inventores. Os custos para se defender de um processo de violação de patentes, mesmo as de qualidade duvidosa, induzem muitos a aceitarem acordos de licenciamento em que dividem parte de seu faturamento com esses agressores, ao invés de enfrentá-los, de modo a invalidar as patentes prejudiciais ou enfraquecê-las demonstrando a inexistência de violação.

Já a indústria de terror se baseia não em patentes específicas, mas no estabelecimento de campos minados, com centenas ou milhares de patentes, todas públicas, porém não identificadas. A dificuldade de identificar patentes praticadas por um software, por exemplo, torna uma afirmação como "seu produto viola algumas de minhas milhares de patentes" bastante assustadora. Torna-se uma artimanha para cobrar pedágio ou espantar com ameaças quem ouse se aproximar de um mercado assim minado. Esse mecanismo de exclusão se torna muito mais amplo que a concessão pretendida, pois, embora patentes individuais possam normalmente ser contornadas, ainda que através de comprometimento técnico, atravessar um campo minado, em que se mostra inviável descobrir onde pisar para não detonar alguma mina, é bastante mais complicado e arriscado. Com a subversão das patentes para meio de eliminar a competição, perde toda a sociedade.

Direitos autorais

A exclusividade temporária nos direitos de cópia, modificação, publicação e execução pública de uma obra autoral se justifica como forma de incentivo à criação e publicação de obras, com a finalidade de propiciar à sociedade mais obras culturais que todos poderão, depois de algum tempo, apreciar, divulgar, adaptar e executar.

Aplica-se à expressão específica de um conjunto de idéias em suporte tangível, assim como ao resultado de modificações e adaptações, mas não às idéias em si. Em função de tratados internacionais, a exclusividade temporária é automática, independente de registro e aplicável em praticamente todo o mundo, com pequenas variações.

Antes do surgimento de direito autoral, qualquer obra que viesse a público poderia ser utilizada de todas essas maneiras. Autores como Shakespeare não só sobreviveram bem na ausência desse mecanismo de incentivo, como ainda se beneficiaram dessa ausência: muitas de suas obras foram baseadas em obras anteriores, muitas delas contemporâneas. Exigir que ele houvesse obtido autorização junto a seus concorrentes para poder criar e publicar suas obras magistrais poderia ter resultado a não criação de diversas delas. Perderia a sociedade.

Direito autoral surgiu, limitado a obras literárias, numa época em que equipamentos de impressão eram caríssimos. Conceder direitos exclusivos aos autores representava um sacrifício desprezível à sociedade em geral, pois somente os editores, os poucos possuidores desses equipamentos, arcariam com algum inconveniente. De fato, a concessão da exclusividade aos autores buscava conter o poder dos editores, que, por seu cartel constituir a via única de acesso entre autores e público, conseguiam explorar ambos.

Direitos editoriais

Fortalecendo os autores, esperava-se que mais deles obtivessem acordos favoráveis para escrever e publicar suas obras, ao invés de deixar que rascunhos ou mesmo idéias jamais escritas se perdessem. Claramente, como se percebe hoje, os editores foram capazes de não apenas neutralizar esse avanço jurídico, mas também usá-lo em seu favor, através de influência nos meios de divulgação, contratos de exclusividade e exigência de transferência dos direitos, ao invés de mero licenciamento.

Continuam a explorar autores e público, valendo-se ainda da suposta defesa dos interesses dos autores para induzir ou até forçar o sacrifício público, hoje ainda maior em função das facilidades disponíveis para divulgar obras, tais como equipamentos e telecomunicação a preços acessíveis para muitos.

Para chamar atenção a essa inversão de propósito, faz sentido usar o termo "direito editorial" para se referir às leis atuais, ao invés do termo "direito autoral", que remete a leis benéficas para a sociedade. Da mesma forma, faz sentido usar o termo "autoridade" para se referir ao titular de direito editorial, para lembrar que hoje em dia raramente ainda é o autor, e que se trata de um poder artificial de exclusão.

Grandes editores (de livros, música, cinema, software, etc) entendem perfeitamente que o objetivo do direito autoral não é e nunca foi remunerar os autores. Cuidam bem do (não) remunerar os autores, e abusam de sua influência para determinar quais obras chegam ao público, de acordo não com sua qualidade e o bem comum, mas sim com o benefício para si mesmos, em detrimento da coletividade. Submetem o benefício almejado, disponibilizar mais obras para a sociedade, ao seu benefício próprio.

Simultaneamente, buscam estender cada vez mais a vigência do poder de exclusão concedido pela sociedade aos autores, depois transferido a eles, como se a extensão fosse tornar os autores retroativamente mais criativos e interessados em publicar suas obras, e como se isso não fosse negar à sociedade o término de seu sacrifício, alongando ainda mais a espera pelo pleno usufruto das obras.

Quando estabelecido o direito autoral, o monopólio durava 14 anos, após os quais a obra caía em domínio público. Foi permitida sua extensão por mais 14 anos, depois para um mínimo mundial de 50 anos após a primeira publicação, embora a exploração comercial de obras autorais em raríssimos casos dure mais que cinco anos. Perde a sociedade, sacrificada e privada sem razão.

No Brasil, direito editorial perdura até 70 anos após a morte do autor, exceto para software, que é monopolizado através de lei específica, ainda que baseada no direito editorial, por "apenas" 50 anos após a publicação. Noutros países, o prazo vem sendo dilatado de 50 para 70 anos após a publicação, depois 90, e hoje já se fala em 120 anos, ou mesmo em direito editorial perene.

A movimentação pela extensão ocorre com mais força toda vez que o primeiro desenho animado com o personagem Mickey Mouse está prestes a finalmente cair em domínio público. A extensão poderia fazer algum sentido, se houvesse como avisar Walt Disney que, em troca do monopólio adicional que seria concedido à Walt Disney Company no presente, ele deverá ter sido ainda mais criativo há mais de 90 anos, mas deverá ter evitado basear suas obras noutras que, pelo novo prazo, não poderá ter utilizado nas suas. Se por acaso há alguma forma secreta de voltar no tempo e avisá-lo sobre esse novo acordo com a sociedade, Disney já não terá cumprido sua parte no contrato. Melhor que não haja, até porque história e tempos verbais ficam bem confusos com viagens no tempo e circularidades causais.

Usos justos e domínio público em risco

Vale lembrar que a apreciação da obra, em caráter privado; a cópia para uso pessoal, a obtenção e o empréstimo de cópias de/para terceiros e diversos outros usos não são, ou ao menos não eram, parte do monopólio temporário concedido a autores como forma de incentivar a criação e a publicação de mais obras para benefício de toda a sociedade. Foram excluídos dos monopólios instituídos através das primeiras leis de direito autoral.

Alterações de legislação têm ocorrido no sentido de limitar as cópias para uso privado e legitimar medidas técnicas de restrição aos usos permitidos (DRM, a Gestão Digital de Restrições), tornando ilícitas, ou mesmo criminosas, não apenas as violações dos usos que a sociedade julgou por bem sacrificar temporariamente, buscando um benefício maior, mas também atos não proibidos por lei, e até mesmo atos de defesa de direitos afirmativos, cerceados por meio de DRM, como os direitos humanos de acesso e participação na cultura, respeitados pela lei através dos usos permitidos, e anulados e desrespeitados com as medidas técnicas e as novas leis que as apóiam.

Para o caso específico do software, vale questionar como a sociedade poderia gozar dos benefícios do domínio público, ainda que 50 anos após a publicação do software, quando não se garante a disponibilidade da forma de código fonte quando da entrada no domínio público, forma essa necessária para criar obras derivadas, que por sinal justificou o enquadramento do software como similar à criação literária.

Privilégios Impróprios

Costuma-se justificar esse tipo de alteração jurídica, que aumenta o sacrifício da sociedade, com uma suposta necessidade de resguardar direitos falsamente naturais de autores, inventores e fornecedores. Trata-se de uma falácia das mais poderosas, que se vale do termo "propriedade" para não apenas confundir leis com propósitos e mecanismos fundamentalmente distintos como se fossem parte de um mesmo arcabouço jurídico, como também para esconder seus reais propósitos, tentando encaixá-las numa analogia inadequada, que remete à escassez dos bens materiais.

Para bens tangíveis, justifica-se a propriedade, isto é, o direito de uso exclusivo, em parte pela inexistência da fantástica máquina de copiar. Ainda assim, submete-se a propriedade ao interesse social, sendo resguardada a possibilidade de desapropriação ou mesmo confisco de bens que não cumpram sua função social.

No caso de bens intangíveis como idéias e suas expressões, a fantástica máquina de copiar é uma realidade corriqueira desde que a humanidade começou a pensar, criar e comunicar, e ganhou ainda mais eficiência com as crescentes digitalização de informações e capilaridade das redes de comunicação.

A diferença é crucial. Enquanto alimentos e outros bens rivais são consumidos no processo de utilização, inviabilizando sua utilização simultânea ou posterior por outros, o mesmo não ocorre com idéias, invenções, obras trivialmente copiáveis e outros bens não-rivais. Enquanto o compartilhamento de bens tangíveis exige a divisão, bens intangíveis se compartilham por meio da multiplicação. Quando se oferece um pedaço de pão a outrem, subtrai-se um pedaço de pão de suas posses, mas quando se dá uma idéia a outrem, a idéia continua acessível para quem a comunicou. Logo, para justificar a exclusividade no uso de bens intangíveis, fazem-se necessárias outras razões. A analogia com bens tangíveis sugerida pelo termo "propriedade" é descabida e merece questionamento.

Infelizmente, o termo segue largamente aceito, levando não só à ignorância generalizada com relação às diferentes justificativas sociais para as exclusividades de uso concedidas a titulares de marcas, patentes e direitos editoriais, mas também a críticas a atitudes de busca ou defesa de bens maiores e à adaptação inadequada das legislações a avanços tecnológicos.

Por exemplo, a quebra de patentes de medicamentos, sob o prisma de propriedade, poderia parecer um abuso. Porém, levada em conta a finalidade social da concessão de exclusividade de uso de invenções, fica evidente a impropriedade do sacrifício seletivo de vidas para promover os interesses dos descobridores da fórmula do medicamento. A própria concessão de patentes sobre medicamentos, cujas fórmulas poderiam ser descobertas por análise química, trata-se de um privilégio impróprio, visto que não traz à sociedade a vantagem que justificaria a privação.

Da mesma forma, a aceitação de extensões do prazo de direito editorial, de limitações aos usos permitidos através de medidas jurídicas ou técnicas, e da negação do usufruto arbitrário pela sociedade mesmo após o prazo já excessivo de exclusividade (por exemplo, software em domínio público com código fonte indisponível) não trazem à sociedade o benefício que justificaria o sacrifício. Tais extensões, limitações e apoio legal a negações são também privilégios impróprios, da mesma forma que o uso de marcas para evitar a concorrência.

Avanços técnicos que possam trazer benefício à sociedade não podem ter seus efeitos benéficos anulados para preservar interesses particulares conflitantes. Mudanças significativas nas condições exigem revisão dos acordos que, quando envolvem a sociedade como um todo, devem priorizar o interesse social, antes de qualquer interesse particular.

Contratos, Acordos, Promessas e Permissões

Em sua acepção original, um contrato resulta de um encontro de interesses, em que duas ou mais partes assumem, de maneira voluntária, obrigações umas para com as outras. Tais obrigações podem assumir tanto a forma de ação (efetuar um trabalho, pagamento, etc) quanto de inação (não divulgar certas informações, não se opor a certas ações, não demandar certos direitos, etc). Exemplos típicos dessa modalidade contratual são os acordos individualizados de venda, prestação de serviços, licenciamento e transferência de direitos.

Há outras modalidades contratuais em que o processo de negociação e assentimento é bastante diferente. Um contrato de adesão, por exemplo, é formulado por uma parte, que oferece celebrá-lo, sem alterações, com quem tenha interesse. É bastante comum em operações de venda e prestação de serviços no varejo, assim como de licenciamento com cláusulas restritivas, mas pode-se pensar nos mesmos moldes a respeito do acordo entre a sociedade e inventores que requeiram a patente de uma invenção. É um mesmo acordo oferecido pela sociedade a todos os inventores, exigindo a publicação imediata da invenção, dentro de certos padrões, e o pagamento de certas taxas, tendo como contrapartida da sociedade a concessão da exclusividade temporária no uso industrial do invento, caso a invenção se enquadre nos padrões exigidos. A concessão de exclusividade no uso de marcas registradas pode ser modelada da mesma maneira.

Outra modalidade contratual de interesse é o contrato benéfico, de caráter unilateral. Como apenas uma das partes assume obrigações para com a outra, não se faz necessário o assentimento explícito da outra, que passa a contar com a obrigação concedida enquanto atenda às condições estabelecidas no contrato. Doações, licenciamento gratuito (ainda que não Livre) e, em particular, licenciamento Livre, tomam essa forma contratual. Pode-se ainda modelar a concessão do direito autoral pela sociedade ao autor como um contrato benéfico, já que o autor não incorre qualquer obrigação para receber o direito de uso exclusivo sobre as obras que crie. Marcas de uso exclusivo, ainda que sem registro, podem também ser modeladas através desta modalidade contratual.

Sociedades oferecem meios para garantir a uma parte beneficiada o cumprimento de obrigações contratuais pela outra parte, ou de compensações correspondentes, conquanto as condições contratuais não sejam consideradas injustas, abusivas ou mesmo ilegais, seja no momento da celebração do contrato, seja após alteração conjuntural que possa tornar inviável ou excessiva a exigência do cumprimento de obrigações assumidas.

Licenciamento

Uma licença nada mais é que uma promessa do licenciante de não se valer de um poder de exclusão que tenha para impedir certos usos pela parte licenciada. Por exemplo, licenciar uma marca para uso num determinado produto significa permitir a aposição da marca ao produto, de modo que uma demanda judicial, pelo titular da marca, de cessação da comercialização do produto, por violação da marca licenciada, seria indeferida sem muita discussão, por causa da promessa do licenciante.

Licenciar uma patente para a fabricação e comércio de um certo produto significa que um eventual pedido judicial, pelo licenciante, de cessação da produção ou comércio pelo licenciado, por infração daquela patente, seria negado sem muita discussão, por causa da promessa do licenciante de não se valer da exclusividade contra o licenciado. Outras patentes que o produto possa infringir, do mesmo ou de outros titulares, exigiriam licenças distintas, podendo assim resultar em ordens judiciais favoráveis aos seus titulares.

Licenciar direitos editoriais para modificação, tradução, cópia, distribuição, publicação, execução pública ou, no caso de software, até mesmo execução privada de uma obra autoral significa que um eventual processo judicial, pelo licenciante, para interrupção da atividade pelo licenciado, daria ganho de causa para o réu, sem muita dificuldade, por causa da licença. Outros co-titulares da mesma obra, que não a tenham licenciado para esses usos, mantêm a prerrogativa de vetá-los, de maneira individual e unilateral.

Há licenças que estabelecem que seu não cumprimento acarreta seu cancelamento. Assim, quem atue fora das condições estabelecidas pela licença não só está sujeito a transtornos de ordem judicial pelo uso não licenciado, como também por usos posteriores, que estariam cobertos pela promessa da licença, mas que passam a ser também não autorizados após o cancelamento.

Contrato de Licença?

Embora o ato de conceder licença seja sempre unilateral, é muitas vezes especificado como obrigação dentro de um contrato maior. Faz sentido, porém, distinguir licença de contrato, especialmente porque o licenciamento de Software Livre é sempre benéfico, isto é, sem contrapartida.

Não se deve confundir uma obrigação necessária para que a licença seja concedida, num contrato que subtrairia dos direitos de que o licenciado dispunha antes de aceitá-lo (por exemplo, proibição de publicação de avaliações de desempenho de um programa, ou a proibição de sua execução em mais de um computador, em jurisdições que não exijam licença para a mera execução privada de um programa), com condição ou delimitação da licença, que, sem ir tão longe quanto uma permissão ilimitada e incondicional, ainda assim remove algumas restrições a que o licenciado está sujeito por lei (por exemplo, permissão de modificação de um programa, limitada à modificações que não removam as anotações de titularidade de direitos autorais).

Licenças de Software Livre nunca exigem contrapartida, ainda que estabeleçam condições e delimitações. Por simplicidade, já que o assunto é Software Livre, a discussão abaixo desconsiderará obrigações ou restrições a direitos pré-existentes, estabelecidas por meio de contratos não-benéficos. Ao mencionar licença, pretende-se fazer referência apenas às permissões concedidas, ainda que possivelmente sujeitas a condições e delimitações. Isto é, pelo termo "licença", não se pretende significar um contrato de licença em que possa haver estipulação não apenas de condições delimitantes, mas também de obrigações, restrições e outras contrapartidas.

União dos Estados de Pãnico, segundo capítulo

No capítulo anterior, o invento da máquina de copiar levou a sociedade a se sacrificar, proibindo a cópia de pão fresco, a título de incentivo para a produção do alimento. Mesmo assim, a indústria adotou práticas abusivas, induzindo à desobediência generalizada.

Os representantes da indústria de Pãnico endureceram, denunciando consumidores e multiplicadores à polícia por pandurĩçmo (copiar, sem permissão, pães frescos para consumo próprio) e panratẽio (compartilhar pão fresco copiado sem permissão), e financiando propaganda de que "panrateãr ẽ rõubo!"

Passaram a licenciar o pão, ao invés de vendê-lo, exigindo a aceitação de um acordo de licenciamento para consumidor final antes de concluir a venda, em que o consumidor se comprometia a não fornecer para terceiros cópias do pão, mesmo amanhecido, e a não divulgar quaisquer defeitos que encontrasse no pão, concedendo em troca permissão para consumir o pão, ainda que a padaria permanecesse proprietária.

Começaram a adicionar ingredientes secretos na fórmula do pão, que até então era conhecida por todos, de modo que ele se tornasse impróprio para o consumo após 8 horas, o que inutilizava a permissão legal para cópia de pão amanhecido. Como se não bastasse, conseguiram estender o prazo em que seria proibida a cópia de pão fresco para 48 horas.

A indústria chamou essas e outras medidas restritivas posteriores de Demokrãty Resẽh'v Mãssæ, ou reserva democrática de massa, um nome evidentemente tendencioso, mas tão aparentemente benéfico que até surgiu um mito de que ingredientes de DRM tornavam os pães mais saborosos e saudáveis. Havia até quem pagasse mais por pães com DRM!

Outro ingrediente secreto explorava um defeito das máquinas de copiar, fazendo com que as cópias tivessem um gosto horrível. Fontes internas afirmam que foi a própria indústria de Pãnico que providenciou a introdução do defeito nas máquinas e financiou as campanhas e promoções para substituição das máquinas antigas por máquinas novas, de alta definição.

Conseguiram até aprovar legislação pró-DRM, que proibia a correção do defeito e a desativação dos detectores de pão fresco, presentes nas máquinas de copiar de última geração.

Enquanto isso, os preços dos pães não paravam de subir, de modo que cada vez menos gente conseguia comprar os pães que consumia, mas ainda assim, cega pelo pãnico de não ter mais pão fresco, a sociedade cedia mais e mais às pressões da indústria por punições ainda mais severas.

A seguir, cenas do próximo capítulo: um padeiro visionário alerta a sociedade para o problema social, ético e moral em curso, lança o projeto PNŨ, publica as receitas dos pães que faz e libera consumo, modificação, cópia, compartilhamento e venda, tanto das receitas quanto dos pães que fazia.

Licenciamento múltiplo

Lembrando que a licença é apenas uma promessa de não impedir, fica claro que um mesmo titular pode decidir fazer a mesma promessa para diversos licenciados, ou fazer promessas diferentes para diferentes licenciados, ou até mesmo múltiplas promessas para um mesmo licenciado, cada qual com suas condições e delimitações.

É comum um mesmo software estar disponível sob diversas licenças. Quando uma licença é tão ou mais permissiva que outra (isto é, promete não se opor pelo menos aos mesmos atos, com condições tão ou menos estritas e limites tão ou menos estreitos), o licenciamento dual é equivalente ao licenciamento através da licença mais permissiva, pois qualquer coisa que o licenciado faça de acordo com a mais estrita estará coberto também pela mais permissiva.

Porém, quando uma licença é mais permissiva que outras em alguns aspectos, enquanto outra é mais permissiva em outros, o licenciamento dual ou múltiplo confere ao licenciado a possibilidade de agir tanto dentro do subconjunto das permissões comuns a todas, quanto de acordo com o que apenas um subconjunto das licenças permite.

Pode ocorrer, nesses casos, que cláusulas de cancelamento automático presentes em algumas licenças sejam ativadas pelo exercício de permissões que não concedem, resultando em que, ao agir dentro das permissões de apenas um subconjunto das licenças, algumas das outras sejam canceladas, permanecendo em vigor somente as licenças que não vedavam as ações tomadas.

Software Livre

A definição de Software Livre está fundamentada no princípio moral e ético universal da reciprocidade: respeitar ao próximo como se gostaria de ser respeitado. Enumera quatro direitos humanos, quatro liberdades essenciais, que todo usuário de software deveria ter sempre, para todo software que utiliza, para o bem do próprio usuário e da sociedade.

As quatro liberdades essenciais

Diz-se que um Software é Livre para um usuário quando as seguintes liberdades desse usuário são respeitadas:

  • 0: de executar o software, para qualquer propósito que queira;

  • 1: de estudar o código fonte do software e adaptá-lo para que faça o que o usuário queira;

  • 2: de distribuir o software, da forma como o recebeu, quando queira;

  • 3: de melhorar o software e distribuir as melhorias quando queira.

Quando alguém desrespeita quaisquer dessas quatro liberdades de um usuário, introduzindo restrições substanciais a qualquer delas, por meio jurídico, técnico ou qualquer outro, torna o software não-Livre, e causa prejuízo moral e financeiro ao usuário. Aplicadas a quem não tenha causado dano algum, são imorais e anti-éticas.

Causa ainda danos à sociedade como um todo, dando um mau exemplo, colocando os indivíduos uns contra os outros em benefício próprio, tornando-os dependentes e contrariando pilares fundamentais da vida em sociedade: a solidariedade e o compartilhamento.

Desrespeitar qualquer dessas liberdades é uma agressão aos usuários e à sociedade. As vítimas que aceitam esse tipo de agressão prejudicam a si mesmas, mas, resistindo ou não, prejudicam também a sociedade, ajudando e fortalecendo o agressor: sinalizando a aceitação dos termos abusivos, recomendando sua aceitação a outros, e às vezes até mesmo pagando com dinheiro, liberdade, independência, controle e outros valores pelo discutível privilégio de se colocar à mercê das restrições impostas pelo agressor.

Respeitar as liberdades do próximo e não favorecer quem desrespeite as suas próprias são deveres morais de todos, isto é, são comportamentos adequados e benéficos para a constituição de uma sociedade justa. Ainda mais que o respeito às liberdades, pelo menos às liberdades listadas acima, não é algo que exija grandes esforços. Ao contrário, em geral é desrespeitar as liberdades do próximo que exige esforços, enquanto o respeito ocorre de forma quase natural, por inação.

Por exemplo, para que o usuário possa executar, modificar e distribuir o software, com ou sem modificações, basta que não se lhe imponham restrições substanciais a essas faculdades, e que permissões explícitas sejam concedidas, quando exigidas, por exemplo, por leis de direito autoral.

Para poder adaptar ou melhorar o software, porém, não basta ter permissão. Acesso ao código fonte, a forma preferível para modificar o software, é também indispensável. Garantir ao usuário tal acesso não constitui dificuldade para quem a ele tenha acesso. Para quem não o tenha nessa forma, o Software já não é Livre. Para quem tenha acesso, mas lhe falte permissão para distribuir, também não é.

É importante ressaltar que respeitar as liberdades de outrem não significa assumir para si todas as dificuldades para que o outro possa gozar delas. Respeitar a liberdade não é levar o outro até onde ele quer, é somente não impedir a passagem dele pelo caminho que leva até onde ele quer chegar. Por exemplo, criar artifícios técnicos que venham a impedir ou limitar substancialmente a possibilidade de o usuário modificar um programa é um desrespeito, mas instalá-lo em mídia ou memória que seja inviável modificar, sem que o objetivo seja claramente privar o usuário da liberdade, não é.

Conceder permissões e oferecer acesso ao código fonte é essencial para respeitar as liberdades de outros usuários, mas tal respeito não exige que o distribuidor do software arque com custos adicionais necessários para a transferência do código fonte para outros.

De fato, Software Livre não pode ser confundido com software gratuito. Nada impede que se cobre pela distribuição de Software Livre, seja na forma de código fonte, seja em outras formas, acompanhadas ou não pelos fontes. Software Livre sempre pode ser utilizado e explorado comercialmente. Impedimentos ao uso e à exploração comerciais seriam restrições substanciais às liberdades, tornando o Software não-Livre.

Marcas

É relativamente comum que marcas sejam associadas a software, mas é muitíssimo raro que o poder de exclusão concedido por leis de marcas possa ser utilizado para restringir substancialmente qualquer das quatro liberdades essenciais.

Marcas não limitam as possibilidades de executar ou modificar o software, e dificilmente poderiam limitar a redistribuição do software, sem modificações, uma vez que a permissão para distribuição do software tenha sido explicitamente concedida.

Podem, porém, representar um pequeno obstáculo à distribuição do software modificado, se o titular da marca se recusar a permitir o uso da marca nesse caso. Em geral, as marcas não têm caráter funcional no programa, e removê-las durante o processo de modificação é bastante simples, portanto a falta de licença para uso da marca não constitui cerceamento da liberdade. Porém, caso a remoção ou substituição da marca, exigida pelo titular da marca, seja excessivamente dificultada (e.g. usos ofuscados permeando o código fonte do programa), ou prejudique a funcionalidade (e.g. fontes de caracteres contendo logotipos e logomarcas), pode-se considerar que tais obstáculos sejam formas de desrespeitar a liberdade 3.

Patentes

Embora seja possível utilizar o poder de exclusão conferido pelas leis de patentes para tentar desrespeitar as liberdades de usuários, há muitíssima confusão a esse respeito. Existe muito software que, mesmo coberto por patentes válidas, ainda assim é Livre. Não é a existência de uma patente que cubra o Software que o torna não-Livre, assim como não é a existência de um direito autoral que cubra o Software que o torna não-Livre. É o uso desses mecanismos de exclusão para cercear liberdades que o faz.

De fato, uma patente pode ser utilizada para impedir ou impor condições para a execução, distribuição e modificação de software que implemente a técnica nela descrita.

Porém, é preciso lembrar que grande parte das patentes tem sido obtida com fins defensivos, isto é, não para impedir outros de utilizar as invenções, senão como forma de evitar ou se defender de agressões através de outras patentes. Isso significa que a existência de uma patente, apesar da necessidade de registro, não implica intenção de impor restrições ativamente através dela. Em geral, os titulares de patentes defensivas nem mesmo buscam saber se a patente está sendo implementada em softwares de terceiros, pois tal verificação é custosa e não serve ao uso planejado para a patente.

Outro ponto importante é o caráter territorial das patentes, e as restrições a patentes de software em muitas jurisdições. Como uma patente só é válida na jurisdição em que foi solicitada e concedida, não afeta quem não esteja sujeito àquela jurisdição, fazendo com que seus usos de software não corram riscos relacionados à patente.

Some-se a isso o fato de que obter ordem judicial que impeça o gozo das liberdades por um suposto violador de uma patente envolve não só o risco de invalidação judicial da patente, como também grandes dificuldades técnicas e jurídicas para comprovar que o software de fato a implementa. Ainda assim, um usuário ou distribuidor do software pode, mesmo que receba ordem judicial para cessar a execução ou distribuição do software que implementa a patente, modificá-lo de modo a não mais implementá-la. É comum a descoberta de mecanismos alternativos, às vezes menos eficientes, às vezes ainda mais inovadores, durante esforços para evitar que o software seja coberto por patentes conhecidas.

Ressalte-se ainda que é impossível estudar todas as patentes e verificar se um determinado software implementa algumas delas. Dado o número imenso de patentes de software triviais, são grandes as chances de que qualquer software implemente diversas delas. Ainda que tal esforço fosse viável, seria incompleto, pois o software poderia estar coberto por pedidos de patente ainda não publicados. Portanto, não faria sentido considerar um Software não-Livre apenas porque podem existir, ou vir a existir, patentes que poderiam ser utilizadas para cercear certas liberdades. Por esse critério, praticamente nenhum Software seria Livre, então o critério é inútil. Aplicamos, portanto, um critério bastante diferente.

Ao invés de usar a existência de patentes para avaliar se o Software é Livre, leva-se em conta o risco percebido de que o titular da patente busque impor restrições sobre o software e a dificuldade para se contornar a patente. Raríssimos são os casos em que essa combinação representa uma ameaça suficientemente grande para que o gozo de qualquer das liberdades seja considerado substancialmente restrito.

É muitíssimo mais comum que, diante de uma ameaça conhecida, um usuário ou distribuidor de software prefira a conveniência de não correr o risco, evitando o software ou contornando a patente, sem que se lhe imponha de fato tal preferência.

Existem, porém, casos em que o medo gerado pelas patentes faz com que Software deixe de ser Livre. Acordos decorrente de processo ou ameaça de processo judicial por violação de patente freqüentemente incluem estipulações contratuais que, embora concedam ao suposto violador uma licença para uso da patente, exigem dele que restrinja aos usuários o gozo das liberdades sobre o software, por exemplo, mencionando a patente na licença do software, deixando explícita ou implícita a necessidade do licenciamento da patente para uso do software; proibindo modificações ao software ou sua distribuição por quem não tenha obtido a licença da patente; ou ainda exigindo o pagamento de royalties para redistribuição do software. Tais restrições contratuais e as decorrentes restrições de licenciamento são suficientemente concretas e substanciais para caracterizar cerceamento da liberdade.

Contratos

Não só em casos de patentes surgem contratos com provisões que desrespeitam as liberdades dos usuários. Acordos de licença para usuário final (EULAs) são contratos que freqüentemente estipulam restrições substanciais como condição para conceder acesso e/ou permissão de execução do software. A própria exigência da aceitação de um acordo como condição para receber permissão de executação é suficiente para tornar o Software não-Livre.

Não confundir com exigência de contrato para ganhar acesso ao software. Essa não cerceia liberdade do usuário, pois sem acesso, não é usuário. Na prática, proibir esse tipo de exigência seria exigir a distribuição gratuita, o que desrespeitaria as liberdades 2 e 3. Software Livre não precisa ser distribuído gratuitamente, nem oferecido para download na Internet.

Em tese, contratos podem de fato estipular condições ou restrições que tornem o Software não-Livre para o usuário que aceite tais acordos, ou exigir a imposição de restrições que tornem o Software não-Livre para outros usuários. Por isso, mesmo que fossem corrigidas as leis que restringem as liberdades "por default", ainda assim faria sentido falar em Software Livre e não-Livre, pois seria possível desrespeitar as liberdades dos usuários com contratos e medidas técnicas.

Da mesma forma, seria possível introduzir provisões contratuais para impedir tal desrespeito. Porém, na ausência de restrições "por default", somente aqueles que aceitassem tais provisões estariam sujeitos aos mecanismos oferecidos pela sociedade para garantir cumprimento ou compensação. Assim, quem deixasse vazar o software para terceiros, sem sujeitá-los às condições, sejam de cerceamento para Software não-Livre, sejam de garantia das liberdades para Software Livre, poderia ser responsabilizado, mas os demais não estariam sujeitos às condições que jamais aceitaram.

Direito editorial

As restrições "por default" mencionadas acima provêm do direito editorial, que regula modificação, distribuição, publicação e, no caso do Brasil, até mesmo a execução privada de software. As quatro liberdades estão substancialmente cerceadas na ausência de licença explícita da autoridade sobre o software, o titular de direito editorial. Basta, portanto, que uma autoridade não conceda permissão para executar, modificar ou distribuir o software, ou restrinja ou condicione tais permissões de modo que remanesçam restrições substanciais, para que o Software não mais seja considerado Livre.

De outro lado, é justamente através da concessão de licenças de direito autoral que se anulam os efeitos daninhos "default" do direito editorial provenientes da subversão dos objetivos do direito autoral, e até mesmo que se providencia para que esse poder de exclusão não mais possa ser usado para impedir substancialmente o gozo das quatro liberdades sobre aquela obra e suas derivadas. Isto é, concedendo licença com permissões suficientes para que o software possa ser executado para qualquer propósito, modificado e distribuído, com ou sem modificações, possivelmente sujeitas a delimitações de modo que maus usos não sejam incluídos nas permissões.

Licenciamento de Software Livre

Dada a necessidade de anular restrições automáticas do direito editorial, toda licença de Software Livre é, no mínimo, uma licença de direito autoral. Nada impede que a licença inclua, implícita ou explicitamente, permissões e condições para o uso de patentes, marcas ou outros bens tangíveis ou intangíveis. Enquanto houver respeito às quatro liberdades, será uma licenças de Software Livre.

A seguir, serão descritas características de inúmeras licenças de Software Livre. Embora tenha havido preocupação em refletir com o máximo de precisão o significado dos termos de licenciamento, as sucintas descrições que seguem não devem ser tomadas nem como juridicamente equivalentes às licenças, nem como aconselhamento jurídico, que o autor deste não tem qualificação para oferecer.

Licenças Permissivas

As primeiras licenças de Software Livre foram criadas antes mesmo da formalização do conceito de Software Livre. Provenientes de universidades tais como o Massachusetts Institute of Technology e a University of California, Berkeley, permitiam, em linhas gerais, todo e qualquer uso, modificação e distribuição do software, à exceção da remoção do texto da licença e das notas de direito autoral apostas ao software, uma condição que de forma alguma restringe a adaptação ou melhoria do software para que desempenhe qualquer função.

A permissividade dessas licenças provavelmente se influenciou pelo fato de que obras autorais criadas pelo ou para o governo, nos EUA, não estão sujeitas aos mecanismos de exclusão estabelecidos na lei de direito editorial, isto é, são de domínio público. Como a criação dos programas oferecidos à sociedade por meio dessas licenças foi em grande parte contratada e/ou financiada pelo governo daquele país, as universidades, embora tivessem a prerrogativa legal de publicar obras modificadas sob termos restritivos, optaram por publicá-las sob termos quase tão permissivos quanto uma oferta ao domínio público.

Os termos de licenciamento escolhidos pelo MIT para o sistema de janelas X11 têm larga utilização até hoje, inclusive noutras licenças criadas adicionando termos de esclarecimento sobre a não permissão do uso de marcas para endossar os produtos.

Termos equivalentes e esse mesmo esclarecimento estão presente na licença escolhida originalmente pela UCB para os muitos programas desenvolvidos no projeto BSD, Berkeley Software Distribution.

Software sob essas licenças tem sido utilizado largamente em todos os sistemas operacionais Unix e inspirados no Unix (inclusive no GNU) e até mesmo nos que nem sempre transparecem essas raízes, como MS-Windows e MacOS X.

A licença BSD-original continha quatro cláusulas, uma delas exigindo a publicação de uma frase indicando a presença de software desenvolvido pela UCB em qualquer material publicitário que mencionasse funcionalidades ou o uso do software assim licenciado. Embora essa cláusula em princípio não represente obstáculo a qualquer das quatro liberdades (é portanto uma licença de Software Livre), poderia se tornar um sério problema prático, caso adotada por mais autoridades, cada qual exigindo uma frase que mencionasse seu próprio nome: anúncios publicitários de um programa contendo trechos de código obtidos sob diversas licenças como essa precisariam publicar um número grande de frases. Ciente desse problema, e da incompatibilidade dessa cláusula com outras importantes licenças de Software Livre, a UCB a revogou retroativamente, criando assim a licença BSD-modificada, com apenas 3 cláusulas.

Infelizmente, ainda se encontram licenças e programas que receberam contribuições sob os termos originais, e que não podem ter essa exigência removida sem a concordância de todas as autoridades.

De outro lado, há ainda outra variante na família BSD, introduzida pelo projeto FreeBSD, que removeu também uma cláusula de esclarecimento, sobre a ausência de permissão para uso do nome da universidade e colaboradores para fins de promoção de produtos contendo o software. Essa licença ficou reduzida às permissões, sujeitas a duas cláusulas de exigência da preservação e publicação das notas de direito autoral, termos de licenciamento e ausência de garantia junto a todas as cópias do programa, modificado ou não, nas formas de código fonte ou binário. A licença FreeBSD é também conhecida como BSD de duas cláusulas.

Outra família de licenças permissivas que se faz necessário mencionar é a Apache. Em sua primeira versão, a Licença Apache 1.0 ia na contra-mão da progressiva simplificação das licenças da família BSD. Inspirou-se claramente na licença BSD-original, mas transformou o esclarecimendo sobre uso de marcas para endossar ou promover produtos em proibição explícita. Adicionava ainda cláusulas de proibição de uso do termo Apache em software derivado, e estendia a exigência da publicação de uma frase mencionando o projeto não só a material publicitário, mas sim a qualquer redistribuição do software.

Esta última exigência foi relaxada na Licença Apache 1.1: a publicação da frase passou a ser exigida somente na documentação ou no próprio software, resolvendo o problema prático mencionado acima. A proibição explícita ao uso de certos termos, porém, permanecia, limitando as possibilidades de combinação do software sob essas licenças permissivas com outras licenças de Software Livre vastamente utilizadas. Isso não significa que as Licença Apache 1.0 e 1.1 não sejam licenças de Software Livre, são apenas incompatíveis com outras.

A Licença Apache versão 2.0 abandona de vez a sucintez que caracterizava suas origens, buscando esclarecer inúmeras dúvidas comuns a respeito de seus termos permissivos e tornar a licença própria para uso geral, providenciando para que as referências ao Projeto e à Fundação Apache não mais fizessem parte dos termos gerais de licenciamento. Removeu um problema de compatibilidade, refraseando os termos relativos a marcas, de modo a resgatar o caráter original BSD de mero esclarecimento.

Infelizmente, também criou uma nova incompatibilidade. Uma nova cláusula, que esclarecia de forma explícita o licenciamento de patentes implementadas por modificações introduzidas pelos próprios licenciados, combinado ou não com código pré-existente no original, previa a revogação dessas licenças de patentes a quem utilizasse judicialmente o poder de exclusão de suas próprias patentes contra usos do software sob ela licenciado. Ainda que essa cláusula de retaliação respeite as quatro liberdades e seja benéfica, ela é incompatível com os termos de copyleft da versão 2 da GNU GPL, ainda bastante utilizada.

Compatibilidade

Diz-se que duas licenças são compatíveis quando oferecem permissões suficientes para que se tome um trecho de código sob uma delas, um trecho de código sob a outra, e se distribua o programa resultante da combinação dos dois trechos.

As licenças mais permissivas em geral concedem autorização para a distribuição do código assim licenciado como parte de programas licenciados sob termos à escolha do distribuidor. Assim, licenças permissivas raramente apresentam problemas de compatibilidade com outras licenças permissivas.

Licenças que não oferecem permissões tão amplas, porém, resultam em incompatibilidade até mesmo com licenças permissivas. Por exemplo, uma licença que não permita condições ou exigências além das que ela mesma introduz resulta incompatibilidade com qualquer licença permissiva mais exigente em algum aspecto qualquer. Duas licenças que permitam distribuição apenas sob seus próprios termos e condições entram em conflito. Uma licença que permita a distribuição de modificações somente na forma de arquivos de diferenças (patches) acompanhando os originais entra em conflito consigo mesma! Esses são três exemplos reais de incompatibilidades entre licenças de Software Livre. Embora existam incompatibilidades, cada uma das licenças individualmente respeita as 4 liberdades, não oferecendo impedimento para que se considere Livre o Software sob elas licenciado.

Copyleft

Embora uma autoridade sobre software possa, adotando uma licença permissiva de Software Livre, anular os danos do poder de exclusão que a lei de direito editorial lhe confere, isso não é suficiente para evitar que terceiros se valham de seus próprios poderes de exclusão para desrespeitar as liberdades do usuário do mesmo software, ou de versões modificadas dele.

Um autor conta com ao menos dois mecanismos para tentar evitar os maus usos de sua obra: licenças e contratos. Ressalve-se que nem licença nem contrato podem defender as liberdades dos usuários de terceiros que tenham à sua disposição mecanismos de exclusão, mas que não tenham razão para aderir aos termos da licença ou do contrato em que tais mecanismos poderiam ser anulados ou enfraquecidos.

No caso de se utilizarem contratos para evitar os maus usos de uma obra Livre, a necessidade de consentimento anterior ao recebimento do programa criariam um grande inconveniente, praticamente inviabilizando os downloads anônimos e os repositórios de versões do código fonte com acesso público.

O outro mecanismo disponível são os direitos autorais, que têm essa característica de proibir usos (i.e. modificação, distribuição, publicação) que não respeitem as liberdades dos outros. O inconveniente, porém, é que o direito editorial proíbe também usos que as respeitam.

Copyleft é o uso do direito autoral para preservar as liberdades de todos os usuários de um programa, anulando efeitos daninhos do direito editorial, ao conceder licença que permite o gozo das liberdades sem restrições substanciais, sem porém anular as provisões da lei de direito autoral que impedem os maus usos. Portanto, não restringem a liberdade de qualquer licenciado, apenas evitam que um licenciado exceda sua liberdade, invadindo e desrespeitando a liberdade de outro.

Resgata-se, assim, o sentido de benefício à sociedade almejado pelo direito autoral, invertendo a lógica de exclusão que prevalece nos dias de hoje. Daí o contraste entre "copyright: todos os direitos reservados" e "copyleft: para todos, os direitos preservados".

Vale lembrar que uma licença de direito editorial só se faz necessária para quem pretenda modificar ou distribuir um programa; não vai afetar quem não tenha interesse em sequer possuir uma cópia dele. Mesmo um contrato, que em tese poderia afetar atividades não relacionadas diretamente ao programa, ainda teria seus efeitos restritos àqueles que tivessem suficiente interesse em receber o programa para aceitar suas condições.

Diante do inconveniente de exigir assentimento prévio e da complexidade inerente da modalidade contratual, a simplicidade e efetividade de uma concessão unilateral de permissões delimitadas brilham como um excelente compromisso entre esforço e alcance. Leve-se ainda em conta que a violação de direitos autorais pode ser interrompida sem grandes dificuldades judiciais, com liminar que determine a cessação da distribuição não permitida, enquanto uma violação contratual pode dar margem a outras formas de compensação por danos, normalmente de ordem financeira, que nada fazem para cumprir o objetivo de restaurar o respeito às liberdades dos usuários que foram desrespeitadas.

GPL

A GNU General Public License, ou Licença Pública Geral GNU, foi a primeira licença de uso geral com a característica copyleft. Suas provisões podem ser resumidas assim: (i) não restringe execução (está fora do escopo do direito autoral), dispensando a aceitação da licença para possuir ou executar cópias do programa; (ii) permite a cópia e redistribuição, gratuita ou não, do programa original, na forma de código fonte, do jeito que foi recebido; (iii) permite a modificação do programa, dando origem a obras derivadas, e a cópia e a distribuição das obras derivadas, sob os termos e condições da GPL; (iv) permite a distribuição do programa e de versões derivadas em forma de código objeto, sob os termos e condições da GPL, desde que acompanhado do código fonte ou de oferta de código fonte, sob os mesmos termos e condições; (v) quando o programa é distribuído, quem o recebe também recebe automaticamente a licença, de todos os titulares do programa, não sendo permitida a introdução que qualquer exigência adicional para o pleno gozo dos direitos concedidos através da licença; (vi) a modificação ou distribuição do programa ou de obras derivadas de maneira não permitida provoca o cancelamento automático da licença.

A versão 1 da GNU GPL, publicada em 1989, parava por aí. Vale chamar a atenção para a ausência de proibições: as condições de oferta de código fonte e de concessão da mesma licença, sem exigências adicionais, meramente delimitam as formas de modificação e distribuição nela permitidas. O que quer que permaneça proibido não o é por ação restritiva da licença, mas sim por inação, deixando prevalecer a restrição da lei. Se a lei fosse alterada de modo que mais formas de modificação ou distribuição fossem permitidas sem necessidade de licença de uma autoridade sobre o software, a licença não ofereceria qualquer oposição a elas.

Também não há oposição da GPL à combinação de código sob a GPL com código sob outras licenças. A herança de liberdade, que a GPL confere aos descendentes de um programa licenciado sob ela, não afeta a possibilidade de combinar código, sempre permitida, mas sim a possibilidade de distribuir a combinação sujeita a exigências adicionais. Alguns críticos se referem ao efeito hereditário como se fosse viral ou infecto-contagioso, deixando transparecer não apenas sua percepção da liberdade como algo tão indesejável quanto uma doença, mas também a alusão injustificável às formas não-hereditárias de propagação de agentes patogênicos, em contraste com a propagação exclusivamente hereditária da GPL. Esta se limita a obras derivadas, em que a autoridade da porção GPL é tão co-titular da obra derivada quanto as autoridades de outras porções a ela combinadas, tendo assim à sua disposição o mesmo poder de veto sobre modificação, distribuição e outros usos da obra regulados por direitos editoriais.

Vale realçar que não é a GPL que proíbe a distribuição de programas incluindo trechos sob licenças mais exigentes. Ela estabelece que suas permissões e condições devem se aplicar ao programa inteiro, portanto, se a licença do trecho não conceder as permissões exigidas pela GPL, não é a GPL que impede a distribuição da combinação, é a exigência da outra licença que entra em conflito com a condição de ausência de exigências adicionais da GPL, fazendo com que a permissão da GPL não se aplique à combinação. Prevalece portanto o caráter restritivo da lei de direito editorial.

Ainda que as exigências adicionais de algumas licenças possam ser benéficas (por exemplo, a cláusula de retaliação por ataque de patentes, da licença Apache 2.0), titulares que sigam o espírito da GPL, de preservar as liberdades dos usuários, não deveriam se opor à distribuição de programas que combinassem código sob essas licenças, até mesmo formalizando permissões adicionais necessárias. A não permissão a exigências adicionais e a provisão de cancelamento automático têm como objetivo evitar o desrespeito às liberdades, não limitar o reaproveitamento do código.

O cancelamento automático da licença quando da violação dos direitos autorais, embora possa constituir um desrespeito às liberdades do violador, é moralmente justa como resposta ao desrespeito às liberdades de outros. De fato, confere uma excelente margem de negociação ao titular dos direitos para que desrespeitos aos usuários sejam remediados.

GPLv2

A segunda versão da GNU GPL, publicada em 1991, adicionou apenas uma cláusula de esclarecimento, "para deixar absolutamente claro o que se acredita ser conseqüência do restante da licença". Trata de restrições impostas a um potencial distribuidor do programa, por meio de ordem judicial, acordos ou qualquer outro meio, que contrariem as condições da licença, esclarecendo que tais restrições externas não isentam o licenciado do cumprimento das condições da licença.

Portanto, por exemplo, alguém que aceitasse uma licença de patente que exigisse de distribuidores subseqüentes o pagamento de royalties, ou que proibisse a oferta de código fonte ou alguma classe de modificações ao software, ficaria impedido de distribuir o software, pois não poderia distribuí-lo sem restrições por causa do acordo, nem com exigências adicionais em relação à GPL.

Essa cláusula ficou conhecida como "liberdade ou morte", deixando claro que o titular prefere que seu software pereça, não mais sendo distribuído, a que as liberdades dos usuários não sejam respeitadas.

LGPLv2

A GPL para Bibliotecas (Library GPL) foi publicada juntamente à GPLv2, como uma alternativa de copyleft mais fraco.

Além de variantes pequenas das permissões da GPL e permissão para relicenciamento sob a GPLv2 ou versões superiores, concede permissão adicional para a distribuição de programas que usam a biblioteca sob termos e condições diferentes daqueles da LGPL, inclusive mais restritivos, desde que as liberdades sejam respeitadas no que diz respeito à própria biblioteca, isto é, (i) deve-se oferecer o código fonte da biblioteca a quem receba o programa combinado com a biblioteca; (ii) deve-se permitir a modificação da biblioteca e a utilização da versão modificada combinada com o programa, oferecendo código fonte ou objeto conforme necessário para permitir essa combinação; (iii) caso o programa apresente notas de direitos autorais durante sua execução, deve mencionar também as notas da biblioteca e referência aos seus termos de licenciamento. Oferece ainda permissões e condições similares para o uso da biblioteca como parte de outra biblioteca, licenciada sob outros termos.

LGPLv2.1

A versão 2.1, publicada em 1999, teve como única alteração relevante nos termos e condições a adição explícita de permissão de uso de ligação dinâmica com a biblioteca, como forma de satisfazer a condição de possibilitar o uso do programa com versões modificadas da biblioteca.

A razão mais importante para essa nova versão foi a alteração de nome, de Library para Lesser GPL, ou GPL Inferior, com a adição ao preâmbulo de razões estratégicas para auxiliar autores a decidir entre LGPL ou GPL para suas bibliotecas, com base nos objetivos de respeitar e proteger as liberdades de todos os usuários de software, com relação a todo software que usam.

Apesar da recomendação de preferência à GPL no caso geral, enumeram-se algumas situações excepcionais em que a escolha da LGPL, ainda que mais fraca, possa ser tão ou mais benéfica que a da GPL: (i) uma rara necessidade especial de encorajar a adoção mais ampla possível de uma biblioteca, a fim de torná-la um padrão de fato, por exemplo, quando haja um concorrente antagônico às liberdades dos usuários; (ii) uma situação em que existam bibliotecas não-Livres de funcionalidade equivalente, situação em que o uso da GPL não encorajaria a publicação, na forma de Software Livre (especificamente sob a GPL), de programas interessados nessa funcionalidade; (iii) a difusão e adoção mais amplas de um corpo maior de Software Livre, como o sistema operacional GNU, e sua variante GNU+Linux, mediante, por exemplo, a permissão de combinação da GNU libc com bibliotecas e programas sob outras licenças incompatíveis com a GPL ou até mesmo não-Livres.

CC-GNU-GPL-BR e CC-GNU-LGPL-BR

O governo federal brasileiro contratou em 2003 um estudo sobre a possibilidade de disponibilizar software de titularidade da União sob a GNU GPL e LGPL no Brasil. O resultado do estudo foi favorável, exigindo-se não mais que uma tradução não oficial da GNU GPLv2 e da LGPLv2.1 para viabilizar esse plano. Diversos programas já foram disponibilizados no Portal do Software Público Brasileiro sob GPL e LGPL, incluindo essas traduções para referência.

GPLv3

Em 2007, foi publicada a terceira versão da GNU GPL, 16 anos após a segunda. Embora tenha preservado o mesmo espírito de respeitar e defender as quatro liberdades dos usuários com relação a programas que incluam código licenciado sob ela, seus termos e condições foram inteiramente reescritos, buscando não apenas esclarecer diversas dúvidas comuns, mas também tornar a interpretação da licença mais uniforme, inclusive em sistemas jurídicos aos quais a GPLv2 não estava plenamente adaptada, assim como atualizar seus termos em face de alterações conjunturais de ordem jurídica e tecnológica, para melhor cumprir seus objetivos.

Provavelmente a principal motivação para a GPLv3 foi o combate à Tivoização, a técnica inventada pelo fabricante de vídeo-cassetes digitais Tivo para restringir as liberdades do usuário. Essa empresa restringe substancialmente a possibilidade de adaptação dos programas incluídos no dispositivo, impedindo a execução de versões modificadas onde funciona o original através da verificação de assinaturas digitais. A GPLv3 permite a distribuição do programa como parte de um "Produto para Usuário" (definido em linhas gerais como produto com possíveis usos residenciais) somente se acompanhado de instruções para a instalação e execução de versões modificadas do programa, sem que a mera modificação do programa seja justificativa para negar funcionalidades ou acesso a redes. Abre exceção explícita para programas distribuídos de maneira que a modificação jamais tenha sido possível, tanto pelo fornecedor quanto pelo usuário, por exemplo, com o programa armazenado em memória não modificável nem substituível.

Além disso, a GPLv3 evita o uso de termos específicos da legislação de direito autoral, introduzindo novos termos ("propagate" e "convey"), cujos significados define em termos da legislação aplicável onde quer que se a interprete, com intenção de que sejam análogos a copiar e a fornecer, respectivamente, utilizando-os para conceder e condicionar permissões; adiciona uma promessa de que, ao distribuir um programa sob a GPLv3, o distribuidor não venha a utilizar, para impedir a modificação do programa, os poderes de leis contrárias ao escape de medidas tecnológicas (DRM, ou Gestão Digital de Restrições), afirmando que o titular reconhece que programas licenciados sob a GPL não podem ser considerados medidas tecnológicas efetivas de DRM; permite a distribuição de programa coberto por licença de patentes, desde que seus fontes estejam disponíveis publicamente, ou que se abra mão do benefício da licença de patente, além do caso permitido anteriormente, em que a licença se estendia aos demais usuários; torna explícita a promessa, antes implícita, de que um contribuidor que distribua o programa modificado licenciará suas patentes implementadas no programa, prometendo não as utilizar para restringir os direitos concedidos através da licença; menciona processos judiciais por violação de patentes no software licenciado como uma forma de desrespeito às liberdades de outros licenciados, caracterizando violação e conseqüente cancelamento da licença; relaxa o cancelamento automático, introduzindo mecanismos de restauração da licença em caso de correção da violação sem intervenção ou na primeira intervenção de um titular, sujeita à observância de alguns prazos; adiciona permissão para combinação com software sob licenças que estabeleçam algumas poucas exigências adicionais que, embora não adotadas pela própria GPL, não ferem seu espírito (alcança-se assim compatibilidade com as licenças Apache 2.0 e com a GNU Affero GPLv3); permite mais casos de distribuição do programa separadamente dos fontes, inclusive na Internet e em redes P2P, desde que com referência para a localização dos fontes para download; torna mais clara a não exigência de que um contribuidor estenda às suas contribuições quaisquer permissões adicionais que outros titulares possam ter concedido sobre as suas próprias contribuições.

Durante o processo de discussão pública de um dos rascunhos da GPLv3, a Microsoft e a Novell anunciaram um acordo discriminatório que burlava os termos da GPLv2 e do rascunho da GPLv3 disponível na época: enquanto cada parte distribuía software sob a GPL, cada uma concedia aos clientes pagantes da outra (mas não à outra) uma licença restritiva de algumas de suas patentes. Se tomadas por uma mesma pessoa física ou jurídica, essas ações teriam as seguintes conseqüências: a distribuição do software implicitamente anularia o poder das patentes frente às permissões concedidas a todos "rio abaixo" daquela cópia do programa (isto é, que recebam, direta ou indiretamente, cópias modificadas ou não daquela); já a imposição de exigências adicionais caracterizaria violação da licença, acionando o mecanismo de cancelamento. A GPLv3 estende as conseqüências para partes que ajam assim de maneira coordenada, sob os termos de um contrato, excluindo da licença a permissão para fornecimento sujeito a termos restritivos ou discriminatórios e estendendo a todos as licenças de patentes concedidas para alguns. Acordos anteriores à data de publicação do rascunho contendo esses termos não estão sujeitos a eles, de modo que contratos não precisem ser revistos e, em especial, para que a Novell não fique impedida de distribuir o software por causa do contrato com a Microsoft, podendo assim estender a todos as licenças de patentes concedidas pela Microsoft através desse contrato.

Em razão das exigências adicionais, não é compatível com a GPLv2. Embora compatibilidade fosse desejável, não seria possível fechar os furos que justificam uma revisão sem estabelecer exigências adicionais que as versões anteriores rejeitam.

LGPLv3

Publicada juntamente com a GPLv3, não se trata mais de uma licença completa e independente, como suas versões anteriores. Foi reescrita na forma de um conjunto de permissões adicionais em relação à GPLv3, análogas às diferenças entre a LGPLv2.1 e a GPLv2.

Da mesma forma que a GPLv3, não é compatível com a GPLv2, por causa das exigências adicionais para salvaguardar o respeito às liberdades dos usuários da obra assim licenciada.

Affero GPL

A GNU Affero GPLv3 é a sucessora da versão 1 da licença Affero GPL, uma modificação autorizada da GPLv2, com objetivo de preservar as liberdades de usuários de um programa com o qual interagem através de uma rede de computadores, tais como aplicações web que rodam exclusivamente ou primariamente no lado do servidor.

Em sua versão original, adicionava uma condição às permissões de modificação do programa: se o programa original oferecer uma funcionalidade que permita a qualquer usuário interagindo com o programa obter seu código fonte correspondente, versões modificadas deverão atualizar e preservar essa funcionalidade, de modo que usuários da versão modificada possam obter os fontes correspondentes através de uma sessão HTTP.

A AGPLv3, adotada pelo projeto GNU e publicada pouco após a GPLv3, é idêntica à GPLv3 exceto pela substituição da seção da GPLv3 que permite combinação com código sob a AGPLv3, por uma que se compatibiliza com a GPLv3, sujeitando o todo a uma condição semelhante à introduzida na versão 1 da Affero GPL.

Diferente da versão 1, porém, a AGPLv3 não especifica o protocolo HTTP, permitindo qualquer forma padrão ou costumeira de facilitar a cópia de software a partir de um servidor numa rede de computadores, exigindo a gratuidade dessa forma de distribuição para quem tenha acesso ao programa, mesmo que remoto.

Uso de versões mais novas

Todas as versões e variantes da GPL têm um nome e um número de versão. Titulares que desejem permitir a licenciados a adoção de versões mais recentes da licença que escolheram podem fazê-lo indicando esse desejo através de uma permissão adicional.

É um mecanismo de simplificar o processo de incorporação de correções nas licenças, que têm o compromisso de preservar o espírito de suas antecessoras, fazendo os ajustes necessários ante alterações conjunturais. Conceder essa permissão adicional é mais ou menos como oferecer um mecanismo para que usuários de um sistema possam instalar atualizações de segurança e correções de erros em suas próprias cópias do sistema, modificadas ou não. Assim como qualquer permissão adicional, pode também ser removida ou limitada por quem prefira não estender a mesma permissão sobre a versão que distribui.

Algumas objeções a essa prática são baseadas em desalinhamento com os objetivos das licenças e receios de que a FSF não cumpra o compromisso, assumido tanto nas suas licenças públicas quanto em contratos de atribuição de direitos autorais que assinou, de preservar o espírito das licenças em suas revisões.

Outras objeções são resultado da suposição equivocada de que tal permissão poderia criar qualquer obrigação adicional para quem tenha desenvolvido, distribuído ou modificado o programa nos termos de uma versão anterior. É um engano: é apenas uma permissão para que quem queira adotar a licença atualizada possa fazê-lo antes de distribuir uma versão modificada, mesmo que a modificação seja apenas na escolha dos termos de licenciamento daquela cópia.

A ausência dessa permissão faz com que seja necessária a consulta a todos os titulares do programa para adotar qualquer atualização da licença, o que pode ser um verdadeiro pesadelo em projetos com centenas ou milhares de contribuidores, alguns deles falecidos, desaparecidos ou resistentes às melhorias. Corre-se o risco de inviabilizar a atualização da licença, possivelmente condenando o projeto a uma versão da licença progressivamente obsoleta, sujeitando-o definitivamente aos furos corrigidos nas revisões e limitando a possibilidade de compartilhamento de código entre o projeto e aqueles que tenham atualizado a licença, por compartilharem do objetivo de respeitar e defender, da melhor maneira disponível, as liberdades dos usuários do software.

União dos Estados de Pãnico, terceiro capítulo

No capítulo anterior, a indústria de Pãnico inventou inúmeras formas de tentar preservar seu modelo de negócios obsoleto e restaurar artificialmente a escassez extinta pela máquina de copiar. Ludibriada pelo slogan "panrateãr ẽ rõubo!" e acreditando-se dependente do que o pãn'k demõniu amassou, a sociedade se submetia.

No MIP, Maç'txũç'tç Ĩnçt'tut'd Pãn, sempre se fez pão como atividade de pesquisa e recreação, e sempre se o ofereceu a outros sem ônus ou restrições. Rĩtx M. Çtãlman, padeiro do MIP, analisou o rumo que a indústria de Pãnico como um todo tomava, com as práticas de terror e licenciamento e medidas técnicas restritivas, e decidiu que não queria ser parte dessa conspiração imoral, anti-ética e anti-social.

Deixou seu emprego no MIP, para não correr risco de que uma guinada nas políticas da instituição afetasse seus planos. Lançou o projeto PNŨ (Pãn Nõçtr' Ũnk'çilin'), com a publicação de um manifesto em que explicava por que consumidores de pão tinham o direito de ser Livres. Começou a desenvolver e produzir, com ajuda de voluntários, uma linha completa de pães ũnk'çilin', isto é, livres, puros. O prefixo unk', de negação, nem sempre tônico, aplicado à palavra çilĩn' (lembra, de Pãn'çilin'?), resulta no significado não preso, não estragado, não impuro, não velho. Caberia também o adjetivo frẽç, de mesmo significado, ainda que o significado "fresco" seja mais prevalente quando aplicado a pão. Mas aí a sigla não resultaria o nome de um bovino local que não sobrevive em cativeiro.

Criou a FÇF, Fundaçiõ Ço'pãn Frẽç ou Fundação Para-o-pão Livre, para defender os direitos e as liberdades dos consumidores de pão e para levantar fundos para o projeto PNŨ. Sem grandes surpresas, o termo frẽç deu margem a alguma confusão, apesar de historicamente o significado relacionado ao frescor ter advindo da abreviação de frẽç'd çilĩn', algo como livre de velhice, ou livre de impurezas. Estudando essas curiosidades lingüísticas, fica bem clara a importância do pão até no dialeto de Pãnico. Mas RMÇ esclarece: "frẽç à'lã frẽçn'", algo como "livre no sentido de liberdade", já que o significado primário e original foi bem preservado na palavra que denota liberdade.

RMÇ publicou a definição de Pãn Frẽç, ou Pão Livre, aquele que o consumidor pode comer com o que quiser, estudar a receita e adaptá-la às suas necessidades, copiar e distribuir o pão do jeito que foi recebido, e melhorar a receita e distribuir as melhorias.

Escreveu a Gen'rãl Pũblik Liçẽnç do projeto PNŨ (PNŨ GPL), que não apenas oferecia permissões suficientes para o pão e seus consumidores serem Livres, mas também defendia as liberdades para todos os consumidores de pães feitos sob esses termos. Era a licença adotada por praticamente todos os pães e receitas que o projeto publicava.

Vários dos padeiros que se uniram ao projeto PNŨ o fizeram porque sabiam que fazer pão era uma atividade prazerosa e criativa, não queriam que fosse dominada e limitada por interesses mesquinhos. Outros viram ali uma oportunidade de negócios, já que nada impedia a comercialização dos pães fabricados usando as receitas do projeto PNŨ, ou quaisquer outras de Pãn Frẽç (à'lã frẽçn').

Ao contrário da suposição dos expoentes do Partĩd' Pãn Nõçtr', a existência da máquina de copiar não inviabilizava o comércio de pão em geral, somente o modelo de negócio restritivo baseado em escassez adotado pela indústria de Pãnico.

O respeito ao consumidor, a competência técnica, a criatividade nas receitas e o atendimento a desejos e necessidades especiais dos clientes eram formas de fazer bons negócios no mercado de pães, independente da possibilidade de cópias. A verdade é que a maioria dos consumidores prefere, sim, a praticidade de comprar pão fresco pronto por um preço justo, mas as tentativas de restringir os clientes eram não apenas infrutíferas, mas também caras e irritantes, afastando os bons consumidores.

O espírito de cooperação e respeito mútuo fomentado pelo Pãn Frẽç e pela PNŨ GPL não apenas melhorava os produtos oferecidos, de maneira ética e Livre, para os consumidores, como ainda permitia a cada padeiro se beneficiar das inovações dos outros: cada um recebia dos demais idéias e melhorias para as receitas de valor total muito maior do que jamais seria capaz de oferecer.

Ganha a sociedade, ganha a indústria, e ganham os consumidores, todos Livres. Não é que esse Rĩtx M Çtãlman teve uma idéia ainda mais rica que a invenção do pão fatiado?

A seguir, cenas do próximo capítulo: Apesar do sucesso do Pãn Frẽç, continuam os esforços da indústria de Pãnico para cercear as liberdades dos cidadãos e impor a eles seu modelo de negócios obsoleto. Ainda por cima, dissidentes do Pãn Frẽç ainda tentam relaxar os princípios do movimento, para aproximar a indústria, ainda poderosa e endinheirada, propondo uma coexistência pacífica e economicamente vantajosa (para quem?) com seus modelos de negócio restritivos.

Proliferação de licenças com copyleft fraco

Apesar do sucesso da GPL como porto seguro e ponto de convergência de licenciamento de Software Livre (entre 60% e 75% dos projetos de Software Livre a adotam, dependendo da forma como se faz a contagem), ainda antes da virada do milênio começaram a surgir outras licenças, com copyleft ainda mais fraco (permissivo) que o da LGPL, mas ainda assim projetadas para não serem incompatíveis com a GPL.

Tinham características desejáveis por seus criadores, tais como provisões explícitas acerca de marcas e patentes e termos de copyleft fraco que permitiam a incorporação em programas não-Livres, sacrificando até mesmo as liberdades sobre o código assim licenciado. Algumas até almejavam a incompatibilidade com a já fortemente estabelecida GPL, a fim de tentar fragmentar e enfraquecer a comunidade de Software Livre.

A IBM Public License 1.0 e suas variantes Common Public License 1.0 e Eclipse Public License 1.0 estabelecem provisões de licenciamento automático de patentes e cancelamento em retaliação a processos judiciais alegando violação de patentes no software. Apesar de essas provisões serem compatíveis com a GPLv3, não eram compatíveis com a GPLv2, disponível quando de sua introdução. Infelizmente, permanecem incompatíveis por estabelecerem exigências com relação à seleção de jurisdição e à forma de resolução de disputas envolvendo a licença.

A Mozilla Public License (versões 1.0 e 1.1), assim como suas antecessoras Netscape Public License 1.0 e 1.1 e suas inúmeras variantes, dentre elas Sun Public License, Common Development and Distribution License, Sun Industry Standards Source License, Interbase Public License, Netizen Open Source License e Nokia Open Source License, estabelecem a fronteira de copyleft não no programa inteiro (GPL) nem no componente (LGPL), mas sim nos arquivos individuais de código fonte, que só podem ser distribuídos sob a mesma licença, mesmo depois de modificados. Permite a combinação de código MPL com código sob outras licenças não-Livres, resultando programas não-Livres em que apenas o código fonte MPL permanece Livre. Sem a garantia da LGPL sobre a possibilidade de utilizar o programa com versões modificadas do código MPL, o código objeto freqüentemente se torna não-Livre, característica desejável aos que adotaram esse tipo de licença ao longo do tempo. Ainda assim, não é por essa fraqueza no copyleft, mas sim por exigências adicionais, que essas licenças de Software Livre são incompatíveis com a GPL.

A fragmentação resultante dessa proliferação de licenças pouco efeito teve no pretendido enfraquecimento da FSF, da GPL e das comunidades de Software Livre. Seus efeitos negativos de longo prazo afetaram principalmente as próprias comunidades que adotaram as licenças divergentes, isolando-as do corpo de Software Livre disponível, assim como o grupo que buscava aproximar de seu movimento dissidente empresas pouco interessadas em respeitar as liberdades dos usuários.

Essa dissidência, que adotou o termo Código Aberto ao invés de Software Livre, foi lançada justamente no contexto da liberação do navegador da Netscape, o Mozilla. Anos depois, essa iniciativa reconheceu os danos não só da proliferação de licenças que incentivou, como também da decisão de relegar a um segundo plano a importância das liberdades, os fundamentos éticos e morais do movimento Software Livre.

Hoje, grandes programas que haviam adotado essas e outras licenças, como Mozilla Firefox, OpenOffice.org e a máquina virtual Java da Sun, estão disponíveis sob GPL e/ou LGPL, exclusivamente ou sob licenciamento dual com as licenças anteriores.

Mesmo assim, efeitos do movimento dissidente ainda são sensíveis, tanto na atitude de aceitar e se compatibilizar com o desrespeito imoral e anti-ético às liberdades essenciais, quanto no de aceitar em sua definição alternativa e na lista de licenças aprovadas que mantém diversas que não respeitam as liberdades essenciais dos usuários.

A Reciprocal Public License é um dentre vários exemplos com essas características. Essa licença, em particular, desrespeita a liberdade de distribuir, ou não, as modificações feitas ao software: torna a distribuição de modificações uma obrigação, ao invés de uma liberdade, o que é incompatível com os preceitos do Software Livre.

Não se deve confundir a rejeição à obrigação de distribuir modificações com a exigência de oferta do código fonte correspondente a quem tenha recebido código objeto contendo as modificações. Para essa exigência se aplicar, a decisão de distribuir o software já terá sido tomada, na ausência de qualquer obrigação.

Outro efeito daninho sensível é a dificuldade de conter a proliferação das licenças "de ego", variantes principalmente da MPL e das mais permissivas, com nomes trocados para os de ingressantes comerciais no mundo do Software Livre, que, ao ver o grande número de licenças aprovadas com essas características, criam sua própria, antes de compreender plenamente os efeitos daninhos das incompatibilidades, que levam ao isolamento da maior comunidade e do maior corpo disponível de Software Livre. Quando percebem o engano, por vezes as dificuldades para o relicenciamento acabam inviabilizando a correção.

Licenças governamentais

Além das traduções da GPLv2 e da LGPLv2.1, lançadas no contexto do projeto Creative Commons Brasil, uma licença brasileira que merece menção é a Licença Pública Geral para a Administração Pública, LPG-AP, criada no estado do Paraná para liberação de todos os programas desenvolvidos na administração pública daquele estado, conforme decreto publicado em 2005.

Infelizmente, por uma série de detalhes, a versão 1.1 não cumpria o objetivo de liberar, pois falhava no respeito às quatro liberdades. A versão 2, escrita mas sem perspectiva de publicação, pretendia ser uma licença de Software Livre de fato, e também resolver diversos problemas práticos, até mesmo o da incompatibilidade com a GNU GPL.

Do ponto de vista da proliferação de licenças, a publicação de mais uma licença de Software Livre seria indesejável. Por outro lado, a publicação estabeleceria um caminho de migração da LPG-AP 1.1, não Livre, para dentro da comunidade maior de Software Livre, que adota a GPL. Deve haver formas mais benéficas de abrir esse caminho que publicar uma nova licença.

Outras obras culturais

Nem todas as liberdades da definição de Software Livre fazem sentido para outros tipos de obras. Algumas delas, como estudar código fonte e adaptar para que a obra faça o que se queira, nem mesmo fazem sentido para certos tipos de obras. Até mesmo o executar para qualquer propósito pode não fazer sentido, conquanto se esclareça que, na definição de Software Livre, se utiliza não o termo inglês para performances artísticas, mas sim outro termo que significa rodar o programa, isto é, desempenhar a tarefa de cunho prático para que foi desenvolvido.

O arrazoado filosófico que, com princípios éticos, morais e sociais, justifica as quatro liberdades como essenciais para software se aplica de forma idêntica a outras obras funcionais, isto é, obras que desempenham uma tarefa de cunho prático, tais como fontes de caracteres, documentação de software e manuais em geral.

Para obras que expressam uma opinião, pode fazer sentido considerar outros conjunto de liberdades como essenciais, isto é, cuja ausência é inequivocamente uma agressão à sociedade. Para obras de entretenimento, ainda outro conjunto pode ser o correto.

É importante evitar a tentadora aplicação a obras não funcionais de simples analogias com as liberdades essenciais para o Software Livre e outros tipos de obras funcionais, pois corre-se o risco de perder de vista os fundamentos e as justificativas sociais em que a filosofia original se baseia. Isso pode levar a resultados tanto que deixem de lado outras liberdades essenciais, quanto que considerem essenciais liberdades que não são indispensáveis.

Dentre os inúmeros movimentos e iniciativas que carregam a bandeira da Cultura Livre, há duas faculdades que todos consideram essencial: (i) copiar obras e (ii) compartilhá-las, isto é, distribuí-las sem fins comerciais. Fora isso, há praticamente tantas variações quanto movimentos.

Outras obras funcionais

Embora a GNU GPL possa ser utilizada para obras dessa categoria, particularmente software e fontes de caracteres, para outros tipos de obras algumas passagens podem deixar a desejar.

A GNU FDL (Free Documentation License), recomendada para documentação, adota termos um pouco mais apropriados para textos, gráficos, etc, utilizando "forma transparente" para o análogo de código fonte, apropriado para modificar a obra, e "forma opaca" para se referir ao análogo de código objeto, inadequado para modificações. Estabelece, assim, termos e condições análogos aos da GPL, de respeito às liberdades e oferta de formas transparentes quando da distribuição de formas opacas.

Entendendo que manuais possam também conter seções de opinião, que não desempenham uma ação de cunho prático e portanto para as quais as quatro liberdades podem não ser essenciais ou mesmo desejáveis, a FDL 1.2 permite a inclusão de trechos que não podem ser suprimidos ou modificados. Da mesma forma que a Open Publication License v1.0 oferece opções que, se aplicadas a porções funcionais de uma obra, caracterizariam um desrespeito a liberdades essenciais, a provisão de seções invariantes da GNU FDL pode também ser mal utilizada.

Críticos dessas licenças chegam a afirmar que, por oferecer tais opções, as licenças não devem ser recomendadas ou utilizadas, e obras licenciadas sob elas não são Livres, mesmo sem que as opções sejam utilizadas. A FSF, dando ouvidos a essas críticas, iniciou o processo de revisão da GNU FDL, nos mesmos moldes de desenvolvimento em público da GPLv3. Uma das inovações propostas é a criação da GNU SFDL (Simple Free Documentation License), que seria equivalente à GNU FDL 2.0, exceto por não permitir seções invariantes. Obras licenciadas sob a GNU FDL 1.2 ou 1.3, sem seções invariantes e com opção de atualização para versões superiores, poderiam assim ser atualizadas tanto para a FDL 2.0 quanto para a SFDL 2.0.

Enquanto não fica pronta a GNU FDL 2.0, a FSF publicou, no início de novembro de 2008 a versão 1.3, trazendo alguns pequenos detalhes introduzidos na GPLv3 e uma variante de uma das alterações propostas para a GFDL 2.0: uma permissão temporária para relicenciamento sob a licença CC-BY-SA 3.0, do projeto Creative Commons (veja abaixo), para obras publicadas em sistemas Wiki tais como a Wikipedia.

Creative Commons

Nada impede que a GPL, a FDL e outras licenças concebidas para obras funcionais sejam utilizadas para outros tipos de obras. Porém, dadas as características filosóficas, éticas e morais que podem diferenciar obras funcionais das demais, há uma faixa mais larga de formas de licenciamento a explorar, desde formas que concedem as mesmas permissões, até formas que limitam as permissões ao mínimo aceitável por outros movimentos de Cultura Livre.

Dentro desse espírito de explorar e oferecer possibilidades, surgiu o projeto Creative Commons, ou Rossio Criativo. Commons, às vezes traduzido para o português como Rossio, corresponde a uma porção de terra que toda uma comunidade pode utilizar, como um terreno para pastagem de gado ou uma praça pública.

Creative Commons introduz não uma, mas várias licenças dentro de um arcabouço coerente, internacionalmente uniforme e facilmente compreensível para não-advogados. Essa gama de licenças pode ser utilizada por titulares de uma obra que queiram permitir certos uso ou até torná-la Livre, sem necessariamente abrir mão de todas as exclusividades que a lei lhes confere.

Assim, além de adotar no arcabouço licenças já consagradas para uso em Software Livre, sob os nomes CC-GNU-GPL, CC-GNU-LGPL e CC-BSD (a versão de 3 cláusulas), assim como a dedicação da obra ao domínio público (inválida em jurisdições que não permitam que se abra mão de direitos autorais), oferece licenças customizadas, que exigem atribuição (CC-BY), permitem ou não o uso comercial (-NC, de "Noncommercial", quando não permitido) e as modificações (-ND, de "No Derivative Works", quando não permitidas), condicionadas ou não ao uso dos mesmos termos de licenciamento (-SA, de "Share Alike") em caso de distribuição. Assim, a licença CC-BY-NC-ND permite somente uso e distribuição não comerciais, sendo vedada a modificação; CC-BY-SA permite usos comerciais e não comerciais, inclusive a distribuição de versões modificadas, mas somente sob a mesma licença; CC-BY permite qualquer uso, inclusive a modificação e a distribuição da versão modificada, sob termos de licenciamento quaisquer.

Versões anteriores do arcabouço Creative Commons incluíam licenças que relaxavam outros aspectos do direito editorial, como seu prazo de vigência e sua universalidade territorial. Não permitiam nem mesmo a cópia e o compartilhamento universais, razão para críticas ao projeto: a qualificação "Licenciado sob Creative Commons" não corresponde ao significado esperado, de que a obra seja de fato parte de um rossio criativo, isto é, que toda a comunidade possa utilizar. De fato, há quem perca de vista que há várias licenças, não apenas uma, e que essa qualificação não fornece qualquer informação a respeito das permissões disponíveis sobre a obra. Significa apenas que endossa o projeto Creative Commons e relaxa algum aspecto do direito editorial.

Embora a imprecisão permaneça quando a licença específica não é mencionada, o projeto atendeu a parte das críticas, descontinuando algumas licenças e movendo outras para fora do arcabouço. As que permaneceram no arcabouço têm um conjunto de permissões e condições comuns a todas, apesar das variações: (i) reafirmam os direitos autorais (a dedicação ao domínio público não é uma licença) e a permissão aos usos justos, não exclusivos por lei; (ii) permitem cópia literal, conversão entre formatos, distribuição e execução pública ao vivo e em forma digital, em todo o mundo, pelo prazo de vigência do direito autoral e de forma não revogável; (iii) exigem a atribuição dos titulares, e preservação e referência aos termos de licenciamento por eles escolhidos para a obra, e (iv) não permitem o uso de medidas técnicas (DRM) para impedir usos permitidos.

Ainda são disponibilizadas pelo movimento Creative Commons licenças que não têm as características acima. Por exemplo, as licenças Sampling Plus e Sampling permitem o reuso de porções de uma obra, exceto para fins de publicidade, além de distribuição da obra original, incluindo ou não, respectivamente, a distribuição comercial.

Fathers's Copyright não é uma licença, mas sim um contrato com o projeto Creative Commons, em que se transfere a autoridade sobre a obra para o projeto, que por sua vez a licencia exclusivamente para a antiga autoridade, por 14 ou 28 anos (o prazo original de vigência dos direitos autorais), após os quais dedicará a obra ao domínio público. Esta escolha não concede a terceiros quaisquer permissões imediatas, apenas encurta a vigência do direito editorial, em jurisdições que permitam a dedicação de uma obra ao domínio público antes da expiração do prazo de vigência dos direitos editoriais.

Diferente do movimento Software Livre, cujos fundamentos filosóficos e princípios éticos e morais norteiam decisões de licenciamento que respeitam liberdades essenciais, Creative Commons fornece a autoridades sobre obras pouco além de um conjunto de opções de licenciamento, das mais variadas, e espaços para divulgação, sem um norte ético ou moral claro a ser levado em conta nas decisões de licenciamento, para que respeitem liberdades essenciais aos diversos tipos de obras.

Mesmo assim, é um valioso experimento enquanto a sociedade aguarda a convergência da filosofia e dos princípios da Cultura Livre, baseados em ética, moral e benefícios sociais, como ocorreu com Software Livre.

Uma vez atingida a convergência, é de se esperar que as formas de licenciamento incompatíveis sejam descontinuadas. Enquanto isso, vale torcer para que as opções de licenciamento menos adequadas para obras funcionais continuem a não prejudicar os esforços do movimento Software Livre. Existe o risco de que ofusquem a distinção entre as liberdades essenciais para cada tipo de obras, induzindo a um tratamento uniforme, que possivelmente deixaria de fora liberdades essenciais para alguns desses tipos, particularmente as obras funcionais.

Conclusões

Entendidos os princípios por trás de cada um dos mecanismos benéficos de exclusão introduzidos na sociedade, fica clara a subversão por que têm passado e a importância de tomarmos medidas para reverter ou ao menos minimizar os efeitos daninhos da subversão.

O respeito ao próximo, aos direitos humanos e às liberdades essenciais, são obrigações morais de todos, mesmo os que tenham mecanismos de exclusão à sua disposição. Por isso a importância de conhecer as formas de licenciamento necessárias e suficientes para garantir o respeito que todos merecem.

Para mais informações

Para saber mais sobre a filosofia de Software Livre, licenciamento, histórico, vale a pena visitar a seção de filosofia do projeto GNU, em www.gnu.org. Informações a respeito de licenças, filosofia, ética, moral, assim como a história do direito autoral, patentes e marcas, podem ser encontradas na Wikipedia, especialmente na versão em inglês. Notícias e discussões sobre esses temas jurídicos são o tema principal em groklaw.net. Meu blog, hospedado no site da Fundação Software Livre América Latina, assim como o próprio site fsfla.org, carregam também diversos textos que discutem questões de Software Livre, licenciamento e privilégios impróprios.

Agradecimentos

Deixo meu profundo agradecimento à Comunidade Sol, pela oportunidade de participar deste projeto; à FSFLA, à Red Hat e à minha família, por terem me permitido dedicar o tempo necessário; a Richard M. Stallman, por tudo que fez por uma sociedade mais justa e por ter me ajudado a ver praticamente tudo que descrevi aqui; aos colaboradores do projeto GNU, pelo sistema operacional que uso; à Islene, pelas revisões, sugestões e pela parceria na vida.

União dos Estados de Pãnico, próximo capítulo

No capítulo anterior, vimos o surgimento do movimento Pão Livre, do projeto PNŨ e da licença GPL, trazendo consigo diversos novos modelos de negócio éticos, que não dependiam do cerceamento da liberdade dos consumidores.

O resto da história, quem vai escrever somos todos nós. Afinal, apesar do crescente sucesso do movimento e do excelente pão que produzimos, boa parte da indústria resiste à mudança, preferindo endurecer leis e restrições impostas aos clientes.

Como consumidor de pão (ou de software e outras obras culturais), pelo teu próprio bem e pelo bem da sociedade, faze questão de que tuas liberdades essenciais sejam respeitadas. Como padeiro (ou desenvolvedor de software, artista ou editor), respeita as liberdades essenciais de teus clientes, pela ética, pela moral, pelo bem da sociedade e do teu próprio negócio.

Deves ser a mudança que desejas ver no mundo.
-- Mahātmā Mohandas Karamchand Gandhi

Çẽ Frẽç! Sê Livre!