Na Terra do FLISoL Nascente

Alexandre Oliva

Publicado na vigésima-quinta edição, de abril de 2011, da Revista Espírito Livre.

Quando me convidaram para palestrar no FLISoL Bogotá, logo pensei: “Caracas!“ Mas logo achei melhor não confundir as capitais dos países do norte da América do Sul. Baita evento! Pra quem não sabe, o Festival Latino-americano de Instalação de Software Livre, maior evento simultâneo de Software Livre do mundo, nasceu justamente lá, nas alturas da capital da Colômbia.

Ocorreu em 16 de abril, uma semana depois da data em que se o comemorou na maior parte das quase 300 sedes, o que propiciou presenças ilustres da Venezuela e do Equador, que de outra forma talvez não pudessem ir por compromissos com os FLISoLes de suas próprias cidades. Eu mesmo bobeei: quando fiquei sabendo que a data era diferente, já era tarde demais para rever a possibilidade de presença noutras sedes. (Aproveito pra agradecer ao Kretcheu, ao Bardo e ao Maxx pela compreensão.)

Por questões ainda não muito bem esclarecidas, o local anunciado para o evento foi “desoferecido” poucos dias antes, mas os organizadores, da Fundación Casa del Bosque, não se deixaram abater: conseguiram providenciar um espaço próximo ao anunciado, mantiveram uma rede de informantes para reencaminhar quem se guiasse pelo anúncio inicial, e conseguiram atrair um público que superou, de longe, a capacidade do centro de eventos contratado. Era uma sensação bem acridoce ver as salas lotadas, enquanto uma quantidade ainda maior de gente esperava para entrar, até sob a garoa gélida que me parece típica de lá.

A sessão de abertura contou com a presença da cabeça do GNU, o melhor amigo de toda a gente, do pessoal estrangeiro da FSFLA, e dos organizadores locais. Em seguida, Octavio Rossell, da FSFLA e do grupo GNU Venezuela, deu uma bela introdução dos conceitos básicos da filosofia do Software Livre. Era pra ter havido uma palestra sobre LibreOffice em seguida, mas o palestrante, que vinha de outra cidade, foi impedido por um desmoronamento que bloqueou a estrada. Com isso, Octavio esticou sua fala e eu estreei um pouquinho mais cedo a versão para espanhol da controversa palestra “Sexo, Drogas e Software”. Até que deu bem certo, apesar de o termo que encontrei para traduzir “sacanagem” ser mais chulo que eu gostaria.

Infelizmente, com o adiantamento, acabei perdendo a palestra, noutra sala, de Paola Miño, equatoriana colaboradora da FSFLA, organizadora de outros FLISoLes e comunicadora de alguns ministérios de seu país. Uma pena. Também perdi um painel super importante, que correu por toda a manhã, sobre uma versão Colombiana no nosso AI-5.0, conhecida como Ley Lleras. A comunidade de lá tem protestado e se organizado para um MegaNão, pois o projeto de lei é péssimo. Por isso mesmo sugeri que se o chamasse “Lee y Lloras” (algo como leia para chorar).

Ainda antes de palestrar, fui convocado para, mais tarde, descer para a rua pra bater um papo Livre com o pessoal que ainda estivesse do lado de fora do centro de eventos. A fila se estendia por mais de uma quadra! Foi muito especial dar uma aliviada na chatice da espera apresentando os conceitos básicos de Software Livre para quem estava interessado em saber mais. O duro foi competir no gogó com o barulho dos carros, que se espremiam entre buzinaços e as passagens estreitas criadas no que deve ser o maior canteiro de obras do mundo: a sensação, pouco distante da realidade, é de que decidiram reformar todas as avenidas da cidade ao mesmo tempo.

Nas horas finais do evento, enquanto rolavam palestras e debates nos salão principal e na sala de cultura livre, workshops no salão respectivo e instalações em ainda outro salão imenso e cheio, dei uma passeada rápida pelo salão de exposições, onde patrocinadores e comunidades do Software Livre dividiam o espaço expondo seus produtos e ideias, e participei de um painel e mesa de trabalho sobre estratégias e políticas públicas para adoção de Software Livre, junto aos outros companheiros da FSFLA e a algumas autoridades distritais e nacionais que nos honraram com sua presença. O ponto focal me parece que foi aproximação entre o poder público e as comunidades locais de Software Livre, e os toques nos valeram um convite para uma reunião muito produtiva na prefeitura.

Não tenho os números finais de participação no evento, mas me parece que passaram por lá umas 1500 pessoas. Houve inscrição para quase 200 instalações. São números que, para mim, acostumado ao ainda pequeno FLISoL de Campinas, soam impressionantes! Um fato que me desapontou foi o número de instalações de distros não-Livres.

Não fosse pelo recente passo em direção à liberdade do Debian, que em sua última versão finalmente (re)moveu os componentes não-Livres que ficavam infiltrados no main, e, infelizmente em menor grau, pelas 100% Livres Trisquel e Parábola, todas as instalações teriam incluído software privativo, sem que os usuários sequer fossem informados.

A dúvida que não sai da minha cabeça é por que diabos tanta gente que diz promover o Software Livre e seus valores faz questão de sair empurrando software privativo sobre usuários novatos, sem sequer dar uma chance para as distros 100% Livres, que expressam claramente esses valores, e que poderiam muito bem funcionar perfeitamente nos computadores que chegam para instalação.

Será preguiça de tentar, falta de conhecimento, ou um comprometimento inexplicável com comunidades que não compartilham realmente dos valores do Software Livre? Algo para se pensar para os próximos FLISoLes. Ainda tenho esperança de que, um dia, essa contradição pare de subtrair da alegria desse fantástico festival latino-americano, para que nasça, quiçá no mesmo berço bogotano, um FLISoL coerente e verdadeiramente Livre.


Copyright 2011 Alexandre Oliva

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