Há quase uma semana saiu entrevista que concedi a Tadzia Maya por e-mail, após o FISL. Segue cópia:

Por que você diz que o Linux, sistema amplamente reconhecido como software livre, não é livre?

Bom, primeiramente é preciso esclarecer que, ao contrário do que muita gente acredita, o nome Linux não se refere a toda uma gama de programas agrupados em distribuições, mas sim a um programa específico, um núcleo de sistema operacional, desenvolvido inicialmente por Linus Torvalds. Desde que foi anunciado, sempre é usado juntamente com o sistema operacional GNU, iniciado vários anos antes por Richard Stallman. O sistema GNU, que muita gente usa chamando de Linux, é Livre.

Mas quando digo que Linux não é Livre, quero dizer apenas que esse núcleo não é Livre. E não é, porque contém centenas de trechos que não são livres, ou seja, que são fornecidos e publicados por fornecededores interessados não em respeito aos clientes, mas em esconder segredos.

Que tipo de segredos?

Desde mecanismos para desrespeitar os clientes, impedindo o computador de cumprir as instruções dadas pelo usuário, até evidências de que desrespeitam a lei e os direitos de terceiros nesses programas secretos.

Por exemplo, um dispositivo de rede sem fio da Broadcom (assim como de vários outros fornecedores) só funciona quando um programa (firmware) é carregado no computadorzinho que fica no dispositivo. Até aí, tudo bem, se o programa fosse Livre. Mas o firmware oferecido pela Broadcom não era, e tinha acesso a todas as informações do computador principal (memória, discos, etc), e ele próprio fazia a conexão com a rede. Não sendo Software Livre, como ter certeza de que ele não está vazando informação do computador?

Algumas pessoas conseguiram fazer engenharia reversa desse programa e desenvolver outro Livre. Enquanto isso, fornecedores decentes de cartões de rede sem fio, como Atheros, desenvolvem e publicam não só os drivers que controlam os dispositivos a partir do computador principal, mas também o firmware do próprio dispositivo.

Na prática que problemas isso pode trazer para os usuários?

Além do potencial de vazamento de informação e de desestabilização do sistema todo, alguns desses firmwares são feitos para fazer o computador trabalhar contra o usuário.

Cartões de vídeo da Nvidia e da ATI (AMD) exigem firmware secreto, programado para, entre outras coisas, degradar ou bloquear o sinal de vídeo ao apresentar determinados filmes, quando conectados a monitores de vídeo que não estejam eles mesmos programados para limitar os clientes. O desperdício de recursos do computador para fazê-lo trabalhar contra o usuário foi justamente uma das principais razões para a rejeição generalizada do Windows Vista.

Esses problemas não se limitam a firmware que vem escondido no sistema operacional. Vários computadores vêm com firmware pré-gravado em sua memória, determinando seu funcionamento antes e até depois de carregar o sistema operacional. Outro dia mesmo comprei um computador cujo firmware, chamado BIOS, tinha inúmeros defeitos. Eu seria capaz de corrigi-los, mas o montador do computador no Brasil não só me impede de fazer as correções, como ainda se recusa a corrigir ou mesmo reconhecer os defeitos. Resultado: a máquina não me serve para nada.

E o que o Linux-libre faz quanto a essa situação?

Nós trabalhamos limpando a sujeira desses trechos, numa tentativa de evitar que usuários desavisados caiam nas armadilhas estabelecidas pelos fornecedores.

Enquanto isso, outros projetos fazem engenharia reversa, decifrando o que fazem os firmwares secretos e desenvolvendo Software Livre que faz a mesma coisa. Já foram desenvolvidos firmwares Livres para o cartão de rede sem fio da Broadcom (OpenFWWF), e até para substituir a BIOS de alguns computadores (CoreBoot). O resultado ficou tão bom que alguns fabricantes de computador passaram a carregar essa BIOS Livre.

O que faz a Fundação do Software Livre aqui na América?

Nos concentramos não tanto em promover o Software Livre em si, porque isso muitos já fazem. Nossa missão maior é promover a Liberdade de Software, para a qual o Software Livre é apenas um instrumento.