Valore$ da Liberdade

Alexandre Oliva

Publicado na trigésima-nona edição, de outubro de 2012, da Revista Espírito Livre.

Quem gosta de monopólios, levante o mouse! Ao contrário de consumidores, empresários ficam na dúvida. Para este, ser vítima de um monopólio é tão ruim ou pior que para aquele; porém, deter um monopólio sobre outros pode ser muito lucrativo.

Software privativo é sempre um monopólio, enquanto Software Livre implica um livre mercado para serviços, melhorias. Muitos usuários, empresariais ou não, têm a maior parte de suas necessidades de software adequadamente atendidas por Software Livre “commodity”: sistema operacional, navegador, e-mail, processador de texto, planilhas, apresentações, bases de dados e por aí vai. O que pega muitos são as necessidades específicas.

Um dos meus exemplos favoritos é de alguns clientes da empresa em que trabalho. São grandes bancos de investimento. Para os sistemas de negociação de ações deles, cada milissegundo de atraso na recepção de informações do mercado ou numa ordem de compra ou venda de ações pode fazer uma diferença imensa no balancete. Por isso preferem um sistema operacional Livre: podem investigar e adequar plenamente o sistema às suas necessidades, minimizando a latência das transações eletrônicas, sem depender da boa vontade de terceiros. Contam com o apoio e os serviços da empresa em que trabalho, mas não ficam limitados ao que faz sentido mercadológico para nós. Imagine pedir pra um dos fornecedores de sistema operacional privativo fazer uma versão específica otimizada para esse caso de uso das poucas máquinas que operam dentro dos datacenters de Wall Street. Não tem como e, mesmo que tivesse, daria pra confiar que não estão favorecendo um ou outro parceiro de negócios, atrasando ou espionando as transações dos outros? Com Software Livre, dá!

Empresários conscientes contratam serviços e consultoria de software onde faz sentido terceirizar (adoram poder apontar para alguém e ter quem processar quando algo dá problema), porém se o prestador do serviço não estiver atendendo de acordo, fazer o quê? Quando o software é privativo, a prestação do serviço é um monopólio, a mudança de prestador implica abandonar o software (e os investimentos e dados a ele atrelados) e adotar outro. Quando é Livre, basta escolher outro prestador competente. Se não encontrar, sempre é possível contratar pessoas que tenham ou possam adquirir os conhecimentos necessários, ou mesmo somar forças (e dividir custos) com outros usuários do software para formar um consórcio que atenda a todos.

É por essas e outras que grandes bancos e cadeias de lojas de varejo já fizeram ou têm feito os investimentos necessários para a transição. Não é por ser grátis, até porque, nesses casos, raramente é. É porque podem adequar o software para que atenda aos seus objetivos, sem dependência exclusiva de um fornecedor, e isso tem muitíssimo valor. Porque sabem que não correrão o risco de ter de abandonar seus investimentos no software por uma decisão de mercado alheia, como teve de fazer o Banco do Brasil quando a IBM descontinuou o sistema operacional OS/2. E a IBM nem pretendia se tornar concorrente do BB, mas se você desenvolve software, nunca sabe quando um dos seus fornecedores vai resolver lhe puxar o fio ou o tapete para abocanhar seu mercado, então é melhor evitar ficar dependente deles.

Para desenvolvedores comerciais de software, pode até parecer um contrassenso abrir mão de um possível monopólio, tornando Livres os clientes usuários e o software desenvolvido para eles. Mas para cada um dos poucos que ganha na loteria e consegue um sucesso pelo qual tantos estejam dispostos (ou não) a pagar, muitíssimos mais perdem. Embora o faturamento mundial de TI proveniente de licenciamento de software não seja exatamente um montante desprezível, o faturamento por serviços é mais de 40 vezes maior, e nesse espaço os sucessos, embora menos gritantes, são muito mais comuns.

Vale lembrar que as mesmas liberdades que têm valor para sua empresa também têm para seus clientes, portanto podem pagar até mais por isso, uma vez que percebam que o que importa para o negócio não é custo, mas valor. Com isso, podem até desconsiderar quem não lhes queira vender sem monopólio. Outra vantagem empresarial do modelo Livre é que, quando você forma uma comunidade saudável de colaboradores e usuários, permitindo aos demais colaborarem com você, tenderá a receber mais contribuições do que conseguiria desenvolver por conta própria, melhorando o software que oferecerá aos seus clientes sem investir do próprio bolso.

Esses são os valore$ da liberdade. Embora o Movimento Software Livre entenda que sua falta é um problema ético, mesmo empresas que não ligam para questões éticas sentem as consequências de sua presença ou ausência. E quem não percebe está bobeando.


Copyright 2012 Alexandre Oliva

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