Mitologia Grega: Mistérios de e-Lêusis

Alexandre Oliva

Publicado na décima edição, de janeiro de 2010, da Revista Espírito Livre.

Para quem não programa computadores, as linguagens parecem grego. Influências e-litistas se aproveitam do prevalente analfabetismo digital (anunzerismo?) para estabelecer mitos diversos, que se sustentam em crendices populares a despeito das incompatibilidades com a ciência e-lênica. Restam a nós, devidamente unzerizados e movidos pela ética do respeito ao próximo, os doze trabalhos, entre eles os de limpar a barra de nossa ciência (pra não falar dos currais do rei Aúgias) e de enfrentar as feras que aterrorizam a população, como a Hidra de Lerna, o Javali de Erimanto e a mais apavorante das criaturas, o Leão da Realeza Fiscal de Neméia.

A planície do Peloponeso habitada pelo Leão fica a meio caminho entre Atenas e Esparta, uma famosa pelo espírito guerreiro agressivo, a outra berço da democracia, devendo seu nome à deusa da sabedoria. Lamentavelmente, os princípios democráticos da capital parecem não ter chegado à terra do Leão. Carente tanto da estratégia espartana quanto da sabedoria ateniense, os monarcas da Realeza Fiscal cultuam práticas ocultistas Mitikas e, do alto de seu empinado Olimpo imaginário, impõem seus caprichos aos mortais, de forma ofensiva à democracia e à liberdade, em flagrante descompasso com o lema nacional helênico: “Liberdade ou Morte”.

Os Mistérios de e-Lêusis são rituais ainda não completamente desvendados, executados entre março e abril, ao final do inverno grego. Enquanto alguns estudiosos sustentam que são conduzidos para agradar as deusas da agricultura, para que proporcionem boas colheitas na Fazenda, outros afirmam que as ofe-rendas visam a apaziguar o Leão. Crê a Realeza Fiscal que as instruções dos rituais, em grego acessível aos alfabetizados, devem permanecer exclusivamente nas mãos de seus sacerdotes, pois só o segredo sobre elas garantiria o retorno seguro de Perséfone à Fazenda, ou das ofe-rendas ao Leão. Mitos!

A grande preocupação manifestada pela Realeza Fiscal é a falsificação dos .jarros com papiros que trazem as Instruções para Rituais de Preparação e Frete (IRPF) de ofe-rendas, compiladas num javanês críptico, difícil de entender mesmo para gregos iniciados, mas que os sacerdotes garantem que, executados pelos intérpretes javaneses recomendados, produzirão o efeito divino almejado pela RF.

Não têm os mortais como saber se os rituais que executam são de fato os impostos pela RF, pois nada nos .jarros autentica a origem das instruções. É fácil fabricar .jarros semelhantes aos fornecidos pela RF, porém com instruções totalmente diferentes, que possam até deixar os intérpretes possuídos por espíritos maléficos. Mesmo que mortais percebam a adulteração rapidamente, o dano já estaria feito.

Por mais que a RF mistifique o javanês, é evidente que publicar as instruções em grego em nada aumentaria ou reduziria esses riscos. A solução é permitir aos mortais autenticar a origem das instruções, conforme os preceitos da ciência e da tecnologia e-lênica: Hellas Tēle Trans Porte Seguro (HTTPS) e assinaturas confiáveis baseadas em Spartan-Hellenic Authentication (SHA) e criptografia assimétrica.

Teme a RF também a adulteração pontual das instruções. Segundo mitos e crendices da RF, publicar as instruções somente em javanês críptico evita esse risco. Enganam-se! Há muitíssimos falantes fluentes de javanês, capazes de compreender o suficiente das instruções crípticas a ponto de adulterá-las para que se dirijam as ofe-rendas a outras divindades, ou até mesmo a outros mortais, sem que os ofertantes sequer percebam. O risco existe com ou sem instruções em grego.

A adulteração não requer nem a tradução de todo o javanês críptico para grego, como fez uma vez este que vos escreve; basta conhecer algumas palavras chaves de javanês, encontrá-las no papiro e fazer as pequenas alterações, adicionando outros papiros conforme necessário. Para dar segurança ao mortal, são necessários meios para autenticar a origem das instruções. Poder ler as instruções em grego, ao invés de aumentar o risco, o reduz, pois ao menos os alfabetizados poderiam notar divergências.

Mas e a segurança da Realeza Fiscal? Com as instruções em grego, mortais poderiam alterar os procedimentos em benefício próprio, reduzindo as ofe-rendas para o Leão! Sem as instruções em grego, ao contrário dos mitos cultuados pelos monarcas, também. É não só possível como fácil. Este que vos escreve sabe como zerar o valor da ofe-renda anual, alterando apenas uma letra nas instruções em javanês. Mas funciona, mesmo? Claro que não, nem poderia!

O Leão, que recebe as ofe-rendas, não supõe que os cálculos foram feitos conforme suas exigências, assim como não o fazia quando os recebia em papiro. Se o fizesse, privilegiaria indevidamente os iniciados, os falantes de javanês e os suficientemente abastados para contratá-los. O sistema da RF é construído de forma a verificar o cumprimento das exigências legais, após a entrega das ofe-rendas. Por isso mesmo, a facilitação de adulteração das instruções, propiciada por instruções em grego, não aumentaria o risco para os monarcas: se o aumentasse, mortais já estariam adulterando as instruções em javanês e negando as ofe-rendas ao Leão.

De outro lado, aqueles que quiserem se certificar de que as ofe-rendas que entregam, discriminadas também em idioma desconhecido, cumprem suas obrigações fiscais, não podem, ainda que sejam responsabilizáveis e puníveis caso desviem da lei. Nega-se aos mortais essa segurança, mediante desrespeito ao princípio democrático e constitucional da transparência. Se o respeito representasse algum risco, as instruções em grego disponibilizadas por este que vos escreve, traduzidas e atualizadas do javanês das instruções de anos anteriores, já haveriam materializado o risco, demandando ação corretiva imediata. Não houve, nem precisa haver: os riscos não têm relação alguma com o acesso às instruções em grego, senão com a falta de outras medidas.

Como justificar, então, que os mortais não possam sequer cumprir o dever democrático de fiscalizar a RF e seus sacerdotes, verificando se os rituais codificados nas instruções de fato cumprem o que demanda a lei? Para que pudessem fazê-lo, as instruções para os rituais precisariam ser publicadas também em grego. Mas não são. O que dizem, só Zeus sabe. Pelo amor de Afrodite, já Hera hora, Cronos!


Copyright 2010 Alexandre Oliva

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