Mitologia Grega III: Minotauro

Alexandre Oliva

Publicado na décima-terceira edição, de abril de 2010, no primeiro aniversário da Revista Espírito Livre.

Há milênios, a lenda do Minotauro vem sendo contada para ensinar o perigo de trair e enganar os poderosos. Deve ser o método de dominação mais antigo e mais eficaz: demonizar quem vê a saída do labirinto, para que o restante do rebanho não o siga até a liberdade. Após tal lavagem cerebral, quem ousaria questionar o mito de que o Minotauro é um monstro repulsivo e perigoso?

Era uma vez o trono do reino insular de Creta disputado por dois irmãos. Minow$, o mais inescrupuloso e sedento de poder, pediu que Poseidon, deus dos mares, interviesse por ele. Já coroado, viu sair do mar um belíssimo bovídeo branco, que deveria sacrificar ao deus. Sacrificou outro animal, mas Poseidon percebeu e puniu o traidor: providenciou para que Pasífae, esposa de Minow$, se apaixonasse pelo bovídeo, e para que, da união carnal dos dois, mecanicamente possível graças ao engenhoso hacker Dédalo, nascesse uma criatura metade humana, metade bovídea. (Leitores curiosos já devem estar se perguntando: seria Richard Minotauro Stallman, o homem-gnu?)

Por capricho do tirano, aquele bastardo cretino, deveria a criatura viver prisioneira, num labirinto que o mesmo Dédalo seria obrigado a construir, debaixo do palácio R$ de ©nosso$. A cada ano, Minow$ jogava sete jovens e sete damas no labirinto, para servir de alimento ao Minotauro. Teseu, um desses jovens, entrou no labirinto com um novelo de lã para marcar o caminho de volta (ideia de ninguém menos que Dédalo), derrotando o suposto monstro e libertando os jovens e damas que ali encontrou.

O verdadeiro monstro, Minow$, ainda aprisionaria no labirinto o hacker Dédalo e seu filho, Ícaro. Recuperariam sua liberdade com outro hack: colando asas aos seus braços, com cera de abelha. Diz a lenda que Ícaro gostou tanto da liberdade que voou alto demais; tão alto que o Sol derreteu a cera e, sem asas, Ícaro caiu sobre o mar e morreu.

Ora... Bastam algumas perguntas, fruto de análise crítica, para verificar que se trata de um mito, uma lenda para assustar e conter os amantes da liberdade. Como assim, se voar muito alto, esquenta, a ponto de derreter a cera das asas? Todo mundo sabe que, quanto mais alto, mais frio e rarefeito fica o ar!

Como assim, Teseu libertou os jovens e damas que encontrou no labirinto? Não eram comida para o Minotauro? Se ele não os devorava, vivia de quê? E os jovens, como sobreviveram? E a cera, penas e madeira para as asas de Dédalo e Ícaro, vieram de onde? Seria Dédalo um hacker poderoso como o MacGiver, de “Profissão: Perigo”, a ponto de tirar madeira da cara de pau de quem inventa estas histórias, juntar com as penas às quais Dédalo e Ícaro foram condenados, fazer uma cera na entrada da área e pronto!, é só colar e sair voando? Tenha DOS!

Além do mais, os bovídeos eram idolatrados em Creta. O palácio R$ de ©nosso$ era todo decorado com peças e obras de arte que remetiam ao tema bovídeo e suas divindades. O gado ainda garantia “pão e circo”: a diversão nas touradas acrobáticas, comparáveis a alguns rodeios dos pampas brasileiros; a carne orgânica diretamente dos “pampas”, para alimentar o corpo; para o espírito, os sacrifícios religiosos de bovídeos nos rituais minoanos. Dá até pra imaginar que o gélido vento Minuano, que sopra nos pampas sul-americanos, deva seu nome aos tão importantes ventos dos quais dependiam as navegações minoanas.

O simbolismo da lenda é claro, e chama atenção a presença, também na simbologia, da dualidade divino-pecuária bovídea. Minow$, egoísta, traiçoeiro, ganancioso e sedento de poder, queria só para si o divino, belíssimo bovídeo branco (“Ô, Montanha, pó pará!”, intervém Maçaranduba, “Tá duvidando da real masculinidade? Vou dar... porrada!”), o trono e a coroa que o bovídeo faturou. Fez de tudo para aprisionar aquele que nasceu metade humano, metade bovídeo, bem como os súditos e prisioneiros que, impotentes, não resistiam ao subjugo, ao controle e aos abusos do tirano, reduzindo-se assim a gado humano: também metade humanos, metade bovídeos. E ai de quem ousasse desafiar o tirano: seria feito prisioneiro e atirado no labirinto de Minow$. E ai daquele que sonhasse voar, símbolo de desejo de liberdade: perderia as asas e a vida no mar de Poseidon! Vida de gado, nada de hackear!

Removendo as alegorias mitológicas, o que resta é uma história que deve ter sido mais ou menos assim: Pasífae teve um filho que não se parecia nem um pouco com Minow$. A própria lenda aponta para o provável pai, aquele que tinha intimidade suficiente para ajudá-la a engravidar, mas, francamente, de um bovídeo?!? O ser que nasceu pode muito bem ter sido o próprio Ícaro, de mãe e origem desconhecidas. Foi anunciado ao público como monstro e escondido.

Dédalo já havia iniciado o movimento social humanitário SoL, com ideais de solidariedade social, respeito ao próximo e às liberdades essenciais. Hacker que era, encontrou uma forma de cumprir a ordem do tirano, de construir um labirinto nas masmorras do palácio R$ de ©nosso$, sem cercear a liberdade dos que seriam injustamente feitos prisioneiros ali.

Construiu-o de tal forma que apenas quem fosse movido pelo egoísmo, pela ganância e pelo impulso de cercear a liberdade de outros teria a sensação de estar preso nas masmorras de ©nosso$. Inaugurou assim o projeto tecnológico GNU: desenvolvimento colaborativo de plantas e técnicas arquitetônicas para levar esperança e liberdade a hackers, a prisioneiros de tiranos e a vítimas de leis injustas.

Para que ninguém mais se perdesse nos labirintos dos tiranos, desenvolveu um receptor de sinais de satélites que assinalava a localização e o melhor trajeto para chegar à liberdade. Chamou-o Global Positioning Liberator do GNU, ou simplesmente GNU GPL.

Criou, dentro do labirinto, bem longe da Vista das janelas de Minow$, uma organização para defesa da liberdade humana: difusão dos ideais do SoL e apoio ao projeto tecnológico GNU. Ensinava o caminho aos prisioneiros que chegavam ao labirinto sem perspectiva de liberdade, convidando-os a participar do projeto e do movimento.

Teseu, insatisfeito com a incompatibilidade do Minix (privativo bem ao gosto de Minow$) com suas preferências arquitetônicas, desenvolvia um componente central que, por acaso, faltava ao GNU. Chegou ao labirinto durante a reunião do movimento em que Dédalo apresentava a segunda versão do GPL. Adotou técnicas, projetos e até a GPL do GNU, mas, ao invés de desafiar a autoridade de Minow$ e dar crédito ao projeto de libertação, decidiu ceder às pressões, chamando seu projeto Minux e anunciando que vencera o Minotauro, criatura que simbolizava o fruto do trabalho de Dédalo: metade humano, o movimento humanitário SoL, e metade bovídeo, o projeto tecnológico GNU.

Com isso, a participação de Dédalo e Ícaro no movimento chegou ao conhecimento de Minow$, que por isso os fez prisioneiros. (Por que os aprisionaria por ajudar Teseu a vencer o Minotauro?) Distorcia a realidade para desmerecer o Minotauro e afugentar potenciais colaboradores do movimento e do projeto. Felizmente, por mais que comparasse o GPL a um câncer, a um vírus, não pôde conter o movimento.

Dédalo e Ícaro certamente não conseguiriam nem precisaram sair do labirinto voando, mas ganharam asas como todos os usuários do projeto GNU, e puderam sim alcançar o SoL, o Software Livre. O movimento e o projeto voaram longe: chegaram a muita gente, em terras distantes, a filosofia e o conhecimento do Minotauro, de liberdade, de respeito ao próximo, de solidariedade social e de fraternidade.

Já passou da hora de deixar a luz e o calor do SoL derreterem o manto do medo, da incerteza e da dúvida lançados pelos muitos seguidores do tirano Minow$, com os quais pretendem que aceitemos seu subjugo; que demonizemos ao invés de almejarmos ser hackers livres e autônomos. Querem nos manter gado humano, analfabeto, incapaz de ler ou escrever as linguagens que controlam e pervadem nossa existência para que, como meros usuários, possamos ser mais facilmente programados e usados. Precisamos, devemos e podemos resistir! Não há o que temer: os riscos estão na lenda, nos mitos. Vamos reabilitar, reconhecer e celebrar o Minotauro: o movimento social humanitário do Software Livre e o projeto tecnológico do bovídeo GNU! O Minotauro não morreu, viva o Minotauro!


Copyright 2010 Alexandre Oliva

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