Mais um imposto?

Alexandre Oliva

Depois que passa o carnaval, vêm o coelhinho da Páscoa e o Leão. Enquanto o coelho e os ovos simbolizam a vida, não há dúvida de que as únicas certezas na vida sejam a morte e os impostos.

Os que têm intolerância à lactose ou alergia a determinados corantes, ou apenas querem fazer as pazes com a balança devem atentar para os rótulos dos produtos que o coelhinho traz e manter distância de alguns deles. Mas, ao contrário do coelhinho, o Leão não traz produtos com rótulos nem lhe permite manter distância.

De fato, a Receita Federal exige declaração em formato eletrônico de pessoas que ela supõe terem condições de ter um computador ou de contratar alguém que tenha. Aos demais, permite-se a entrega 100% segura e transparente através de formulário em papel, ainda que se incentive com restituição mais rápida a obscura entrega eletrônica.

São vários os pontos obscuros:

  • Os arquivos são entregues à Receita Federal em formato secreto, ao contrário de outras prestações de conta à Receita Federal, portanto é impossível se assegurar de que a informação enviada corresponde ao que se preencheu; ou que o recibo devolvido, também em formato secreto, corresponda de fato ao que foi enviado. Em caso de divergência, quem paga o pato não é o Leão, é você, mesmo que seja "apenas" na forma de transtorno e atraso da restituição.

  • Os arquivos são transmitidos via Internet através de um protocolo secreto, supostamente seguro. Qualquer um letrado em segurança da informação sabe que depender de obscuridade para segurança é, digamos, receita para se enganar e ser enganado. Se a publicação dos protocolos trouxer qualquer risco de insegurança, é porque o protocolo não era seguro. Vai um "la garantía soy yo" aí?

  • O que os programas fazem sem você perceber é segredo e a Receita Federal não oferece garantia alguma de que os programas não vão vazar ou corromper sua informação particular, ou oferecer acesso remoto ao seu computador. O contrato de licença, que deveria estabelecer tais garantias e oferecer pelo menos permissão de uso, nem existe! A propósito, não dizem que quem usa software, sem licença, tem perna de pau, olho de vidro e cara de mau? Sem falar no gancho no lugar da mão do relógio, devorada por um o crocodilo, né? Ou foi pelo Leão?

Esses programas roubam a sua liberdade de várias formas. Há o óbvio risco de prisão e multa, por violação da lei de direito autoral, ao usar os programas ou oferecer uma cópia deles pro seu vizinho, que não tem acesso à Internet. Faz falta a liberdade de saber de fato o que os programas fazem no seu computador. A liberdade de usar sua plataforma favorita de hardware e software para preparar a declaração, então...

É verdade que para usar em plataformas não "canonizadas" pela Receita Federal pode dar algum trabalho, afinal dá trabalho adequar o software a outra plataforma. Se alguém quisesse fazer isso, ou contratar alguém pra fazer isso, por que não permitir?

Lógico, não dá pra nem pensar em começar sem ter o código fonte e uma licença pra isso. Sem ela, é pedir pra ser enjaulado. O chato é que o Leão parece ter medo de mostrar esse tal código fonte pra nós, ainda seu desenvolvimento tenha sido pago com o nosso dinheiro. Será medo que alguém modifique o software para fazer algo que não devia, tipo coletar informação particular? Tipo, o Leão pode ter esse medo, mas nós não?

Além do mais, nem seria tão difícil criar um programa com a cara do da Receita, anunciá-lo em correntes de e-mail e colocá-lo num site parecido! Ou, com mais sofisticação, daria até pra alterar os programas em trânsito, pois os protocolos usados na distribuição desses programas são inseguros e, sem assinatura digital da Receita, não há nem como atestar a autenticidade dos programas baixados. O receio é, no mínimo, incoerente.

Será medo que modifiquem o programa de modo a manipular o total do imposto a pagar ou a receber? Não, não pode ser, o rei dos animais não pode ser tão ingênuo assim. É claro que os computadores da própria Receita Federal fazem essas verificações, senão os parasitas já teriam descoberto o furo e estariam modificando diretamente os arquivos preparados para entrega. Não é?

Mesmo não tendo orelhas de coelho, a Receita Federal tem dado ouvidos às reivindicações da campanha contra os Softwares Impostos, da FSFLA. Como também não tem orelhas de burro, já está se movimentando para resolver alguns dos problemas citados e segue aberta para discutir os demais.

Aproveite o tempo da Páscoa e vá lépido como um coelho deixar sua lembrancinha para a Receita Federal. Veja algumas sugestões em http://www.fsfla.org/?q=pt. Com a sua voz, a gente pode até conseguir tirar um coelho da cartola: a ressurreição da liberdade (ainda que bem tardia) no cumprimento das obrigações fiscais.

Copyright 2007 Alexandre Oliva

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http://www.fsfla.org/svnwiki/blogs/lxo/pub/leaozinho-da-pascoa