Desktop Livre, graças ao GNU

Alexandre Oliva

Publicado na quinta edição, de agosto de 2009, da Revista Espírito Livre.

Sabe aquele seu amigo que acha que não bebe da fonte do GNU quando fica só na interface gráfica do desktop? Ah, se ele tivesse noção...

Tem uma turma da facção Linux que adora minimizar a relevância do GNU, pra que os louros da combinação GNU+Linux recaiam sobre eles mesmos. Tentam fazer parecer que GNU se limita a Emacs, GCC, GDB e alguns utilitariozinhos mais. Os que caem nesse conto acabam achando que, se não usam nenhum desse programas, o GNU não merece seu respeito ou gratidão.

Será que algum dia se perguntaram o que significa o G do GNOME, ou por que ele começa com GN? É... Gnome é um dos grandes ramos do projeto GNU. O mesmo G de GNU está lá no nome do GIMP, programa dentro do qual nasceu o toolkit GTK, que serve de base ao GNOME e a tantos outros aplicativos de desktop, GNU e não-GNU. Veja lá se o navegador ou sua suíte de escritório usado por aquele seu amigo não tem o GTK por baixo! Conte quantos daqueles programas que ele usa, cujos nomes começam com G, são do projeto GNOME, e portanto do projeto GNU!

“Ah, mas eu uso KDE!”, diz seu amigo. Bom, nesse caso, ele deve agradecer ao GNU não pelo código, mas pela liberdade. Antes da intervenção do GNU, nenhum executável do KDE era Livre. Isso porque o projeto todo se baseou no toolkit Qt que, na época, era proprietário.

Deu um trabalhão pro GNU conseguir liberar o KDE. Como a turma do KDE não se dispunha a mudar de toolkit, e a turma do Qt não se dispunha a liberá-lo, nasceu o projeto GNU Harmony, para duplicar a funcionalidade do Qt em Software Livre. Foi pra frente o suficiente pra empresa que controlava o Qt perceber que o negócio era pra valer e decidir licenciar o Qt sob a GNU GPL.

Não confundir o GNU Harmony com o projeto de mesmo nome da Fundação Apache, que tem a ver com Java Livre. Pena não terem somado forças com o GNU Classpath, o GNU Interpreter for Java e o GNU Compiler for Java, que culminaram na liberação (ainda incompleta) do OpenJDK. Mas está feito, e agora aplicações Java podem funcionar em desktop Livre, podendo escolher entre mais de uma máquina virtual inteiramente Livre: tanto a GNU quanto o IcedTea, que substitui os componentes ainda não-Livres do OpenJDK por componentes do GNU Classpath.

Chato é que é justamente o ambiente de desktop do projeto GNU, o GNOME, que está correndo riscos desnecessários por causa do uso crescente de outra máquina virtual. Embora o Mono em si seja Software Livre, ele implementa uma série de especificações da Microsoft. Há patentes de software cuja sombra paira sobre essas especificações, e nem todas essas patentes estão licenciadas para uso em Software Livre.

Mesmo as não licenciadas não tornam Mono não-Livre, mas constituem um risco de que, caso a Microsoft resolva agir das formas destrutivas que lhe são típicas, determinadas aplicações precisem ser removidas às pressas, ou mesmo reescritas, para desviar do campo minado ou de conflitos entre as licenças de patentes e do software. E as licenças disponíveis ainda podem ser canceladas unilateralmente pela Microsoft! Por melhor que seja a tecnologia implementada pelo Mono, será que vale o risco?

Infelizmente, as ameaças à liberdade não terminam aí. Sabe aquelas firulas gráficas que têm aparecido nos desktops equipados com Compiz Fusion, envolvendo transparências, animações, efeitos 3D, cubos e janelas flexíveis? Elas dependem de aceleração gráfica das placas de vídeo. Até poucos anos atrás, pra fazer uso desses recursos, presentes em praticamente qualquer placa de vídeo, era necessário usar drivers não-Livres.

Hoje em dia, já há drivers ditos Livres que expõem essas funcionalidades em praticamente qualquer cartão de vídeo. Problema resolvido? Lamentavelmente, não. Os drivers para cartões de vídeo da ATI (AMD) e da nVidia, ainda que tidos como Livres, são Cavalos de Tróia, pois carregam surpresas desagradáveis em suas entranhas.

Com esses cartões se implementam dois tipos de DRM: a boa Gestão de Renderização Direta e a má Gestão Digital de Restrições. Para ativar as funcionalidades avançadas do cartão da boa DRM, sem permitir que o usuário contorne a má DRM que degrada ou bloqueia o sinal de vídeo quando o monitor não é reconhecido como Deliberadamente Defeituoso, os drivers carregam trechos de código não-Livre que controlam o funcionamento da placa.

Esses trechos de código estão lá, no código fonte dos drivers, disfarçados de tabelas de números. Alguns até estão sob licença Livre, mas sem código fonte correspondente, então não são Software Livre. Pra quem faz questão das firulas gráficas, dos jogos ou dos diversos usos sérios do poder de processamento das GPUs, há placas e fornecedores que respeitam seus clientes, mas é preciso cuidado na hora de comprar.

São grandes as chances de que seus amigos usuários de GNU/Linux, *BSDs ou OpenSolaris estejam usando um desktop que deve sua liberdade ao GNU. Não deixe que esqueçam dele: quem não valoriza sua liberdade acaba por perdê-la, e os reflexos da perda recaem sobre todos nós.


Copyright 2009 Alexandre Oliva

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