Faz tempinho que comecei a ler O Capital, de Karl Marx. Tem me ajudado a entender uma porção de coisas, inclusive por que tantos conhecidos meus, empreendedores, têm uma vida muito mais parecida com a de proletários que com a de capitalistas.

No primeiro volume, Marx estabelece como origem do valor das commodities a mão de obra humana, seja o esforço para extrair algo da natureza, seja para transformar umas commodities em outras que carregarão o valor acumulado da mão de obra, seja para produzir máquinas que progressivamente transferirão seu valor para commodities com elas produzidas, toda a cadeia de mão de obra humana que resulta na commodity no processo de produção prevalente na sociedade (ainda que não seja o processo usado) é o que compõe seu valor.

O preço de compra e venda em geral não explica lucro: comprar barato e vender caro exigiria supor um capitalista explorando outro. Ainda que isso possa acontecer, a exploração é mais difícil em relações entre iguais.

A explicação mais plausível para a origem do lucro é na relação entre capitalista e trabalhador. Numa sociedade com mão de obra abundante e livre concorrência, o trabalhador tenderá a ser remunerado pelo seu custo de subsistência e substituição. No entanto, o valor de sua mão de obra, transferido para o produto como valor adicionado, é tal que paga sua diária com uma fração da jornada diária de trabalho. Tempo de trabalho adicional continua transferindo valor ao produto na mesma proporção, mas não é remunerado. Essa é a mais-valia, que, realizada mediante a venda do produto, se torna lucro.

Tem me incomodado a noção de que o valor transferido ao produto é um valor teórico de mão de obra, que diverge de seu custo real no processo de produção. Por que a exploração do trabalhador, mediante redução da remuneração ao mínimo suficiente para subsistência e substituição, não haveria de ser considerada uma eficiência a mais no processo de produção que, uma vez generalizada, tenderia a reduzir o valor do produto, ao invés de manter o valor da mão de obra num patamar artificialmente mais alto?

Sigo intrigado há algum tempo. Não lembro se Marx chega a justificar essa medida no primeiro volume; lembro que no volume II ele tece várias considerações sobre custos de transporte, de aluguel de espaço, de intermediários de distribuição, enfim, tudo que, quando necessário para a circulação, entra na composição do valor do produto. Acabo de iniciar a leitura do terceiro volume e, no prefácio de Engels, adianta-se um pouco da discussão sobre a tendência à uniformidade das taxas de lucro entre os vários setores econômicos e foi aí que me surgiu uma explicação alternativa que substitui mais-valia.

Suponhamos que os operários formem uma cooperativa de produção. Não dispõem de capital, portanto tomarão dinheiro emprestado, a juros, a cada vez que necessitem comprar máquinas ou insumos, ou mesmo pagar por mão de obra. Parece-me razoável que tanto a mão de obra, no reduzido valor de mercado de subsistência, quanto o custo do capital, os juros, sejam transferidos integralmente ao valor do produto, pois ambos os custos são necessários para viabilizar o ciclo prevalente de produção.

Um capitalista que disponha de capital, por outro lado, não precisa tomar dinheiro emprestado, portanto não pagará juros. Nem por isso reduzirá o valor de seus produtos: ao contrário, remunerará a si mesmo pela disponibilização do capital necessário à concretização do ciclo produtivo, como remuneraria a terceiros.

Isso explica de forma simples a razão de as taxas de lucro tenderem à uniformidade: a referência uniforme seria o custo do crédito. Setores que não ofereçam retorno ao investimento superiores ao custo prevalente de crédito tenderiam a se esvaziar, pois faria mais sentido ao capitalista emprestar o capital a terceiros que investir no setor que dá menor retorno. Já setores que ofereçam retornos muito maiores tenderiam a atrair mais concorrência, aumentando pressão nos preços, o que tenderia a alinhar os lucros com a taxa de lucro prevalente.

A taxa de lucro prevalente provavelmente tenderá a ser superior à taxa de juros prevalente, por embutir fatores de risco adicionais, e setores com maior risco provavelmente tenderão a se manter com taxas de lucro superiores. Mas tudo isso há de se transferir ao valor do produto correspondente, dispensando o desalinhamento entre custo e valor da mão de obra para explicar a origem do lucro.

Sendo leigo, não me surpreenderia ficar sabendo que isso tudo, certo ou errado, já tenha sido proposto e debatido à exaustão, embora minhas primeiras tentativas de busca tenham sido infrutíferas. Apreciaria apontadores para leituras que joguem mais luz sobre esse tema.

Até blogo,