Zero é o nome do jornal laboratório do curso de jornalismo da UFSC. Sua última edição de 2007 foi inteiramente criada com Software Livre, e trata de liberdade digital.

Paula Reverbel e eu conversamos longamente sobre vários assuntos relacionados a Software Livre e liberdade digital em geral, parte por telefone, parte por e-mail. Tão longamente que ela precisou dar uma boa podada na entrevista para ela caber no jornal.

Fiquei muito impressionado como as podas foram bem feitas, e satisfeitíssimo com o resultado geral. Parabéns à Paula e a todos os demais envolvidos nessa fantástica publicação!

Publiquei aqui (e aqui), com permissão dela, o jornal inteiro, após converter os PDFs que ela me mandou, de cada página separada, para um único PDF grandão. Infelizmente parece que com isso se perdeu a possibilidade de fazer buscas no texto; ainda não sei como fazer melhor, então, por enquanto, fica assim...

2007-12-22 Atualização

Usando o concat_pdf do iText, que conheci enquanto libertava o leão, consegui concatenar os PDFs sem perda de qualidade. Mas também descobri que já não conseguia fazer busca no texto antes... De toda forma, tá feita a substituição pelo PDF de melhor qualidade.

2007-12-22 Fim da atualização

Ela também me mandou a transcrição da entrevista completa, pra eu publicar aqui. Lá vai...

Co-fundador da Free Software Foundation Latin America (FSFLA) – Fundação Software Livre América Latina, em português – Alexandre Oliva é atualmente um dos quatro conselheiros responsáveis pela ações e posições da entidade, que visa promover o uso e desenvolvimento do Software Livre. Tal objetivo pode ser resumido à defesa dos direitos de desenvolver, usar, redistribuir e modificar software – as tais quatro liberdades, como são conhecidas entre os hackers. O concepção de Software Livre foi introduzida por Richard Stallman, fundador da Free Software Foundation . Oliva se considera "evangelizador" do conceito e contribui com o projeto GNU desde a metade da década de noventa.

Zero: A FSFLA afirma que pretende participar e influir nos processos de tomada de decisão que afetem o Software Livre. Como fazem isso na prática?

Alexandre Oliva: A gente tem uma rede de contatos, existem muitas pessoas que já entenderam a importância do software livre e do respeito às liberdades dos usuários, não só na questão prática individual – no você conseguir resolver seus próprios problemas – mas em questões de nível social, de nível ético, de nível moral. E termos de políticas públicas, em termos da soberania do país, em termos da possibilidade de desenvolvimento tecnológico e econômico, então, com o crescente número de pessoas que entendem esses processos (nem todo mundo entende todos eles, eu não vou fazer de conta que entendo todos eles) mas a medida que mais pessoas entendem algumas dessas dimensões e se propõe a trabalhar para defender essas idéias, agente busca estar em contato com essas pessoas. E à medida que elas têm poder de decisão, poder de atuação, poder de influência, buscamos oferecer suporte pra essas pessoas; enfim, as vezes oferecer uma lição, oferecer argumentos que não foram considerados, perspectivas que não foram oferecidas, atuando junto ao público, para que essas pessoas tenham uma referência, para que eles possam mencionar "olha, a sociedade está pedindo isso". Isso é importante e ajuda essas pessoas a mostrarem, ora para seus superiores, ora aos seus pares, que existe uma demanda na sociedade, que é preciso olhar para determinados aspectos, que às vezes não dá pra simplesmente olhar pra exemplos ou exigências que venham de fora – ou mesmo que venham de dentro do país, mas de fora de um governo, por exemplo – e imaginar que esses interesses são os mais importantes. Precisamos pensar na sociedade e nas pessoas e não só em interesses econômicos que são contrários à sociedade.

Zero: O governo do presidente Lula discutiu mais a questão do Software Livre do que qualquer outro governo anterior. O que mudou na política de Software Livre nos últimos anos?

AO: Mudou bastante e, ao mesmo tempo, mudou muito pouco. Tem aparecido muito mais espaço do que tinha antes para as pessoas que defendem as idéias de liberdade atuarem. O governo até coloca, em determinados casos, que existe essa política pública de software livre e há demonstrações de que isso acontece, até certo ponto – como programas de inclusão digital baseados em Software Livre, iniciativas de adoção de software livre em diversos bancos e órgãos públicos, empresas de desenvolvimento de software e processamento de dados do Governo Federal e de alguns governos estaduais e municipais, não só utilizando Software Livre, mas desenvolvendo Software Livre, participando ativamente do processo internacional de desenvolvimento de Software Livre ou até mesmo liberando software que tinha sido desenvolvido internamente – da pra ver isso na Celepar, no Paraná, e, recentemente, na prefeitura de Fortaleza – enfim, tem muita coisa acontecendo, muita gente trabalhando nesse sentido. Mas, em muitos casos ainda, falta um posicionamento absolutamente claro em relação à não aceitação do comprometimento da liberdade e da soberania do país. Por exemplo, o caso da compra de 44 mil licenças de Office da Microsoft pela Receita Federal. Isso é absolutamente indefensável. O Tribunal de Contas da União publicou um relatório que mostra que as desculpas que a Receita Federal deu pra gastar 40 milhões de reais são completamente descabidas e a Receita Federal continua tentando gastar esse dinheiro, ao invés de usar uma solução de Software Livre que é o que todo mundo está usando. Enfim, é a direção em que todo mundo esta indo. Então, tem muita inércia. E a falta de um posicionamento claro do Governo e uma atuação muito clara no sentido de combater e evitar a continuação do aprisionamento – ou o crescimento do aprisionamento tecnológico que existe hoje – é muito incipiente, ainda dá muito espaço pra corrupção, pra politicagens que acabam traindo a sociedade brasileira. Gostaríamos de ver um posicionamento mais claro, mas eu entendo que haja dificuldades para esse esclarecimento, pois tem muitos interesses em jogo.

Zero: Como o Brasil se situa internacionalmente em relação às licenças de Software Livre e à promoção das quatro liberdades? Em que aspectos o país está mais adiantado ou defasado se comparado a outros países?

AO: Brasil é uma referência. Curiosamente, apesar de tudo isso que eu levantei, de toda essa insatisfação – eu queria muito mais –, o Brasil é uma referência, é um país citado por muitos outros que têm se importado com essas questões. Ele não tem um posicionamento tão claro como, por exemplo, o Equador, a Venezuela, como alguns governantes no Peru têm buscado. Cuba é um país que tem muito espaço pra liberdade do software, mas, como a Microsoft não vende software lá e não pode processar ninguém lá, o país acaba sofrendo o efeito da distribuição gratuita do Windows, que as pessoas copiam e compartilham impunemente. Tendo essa liberdade, eles têm a dificuldade de buscar as outras liberdades, que são tão importantes quanto, em muitos casos. Na América Latina, o Brasil, eu diria que ocupa injustamente uma posição de referência. Não desmerecendo os muitos esforços que existem – que nós aplaudimos e citamos sempre que possível –, vemos, pelo menos na esfera pública, um posicionamento mais ambíguo aqui do que em outros países. Além disso, tem muita coisa forte acontecendo na Europa. Enquanto a Europa tem buscado se desvencilhar das amarras do império norte-americano na indústria de software, ela tem buscado padrões abertos livres e a liberdade do software com muita força. A nossa organização irmã, a Free Software Fundation Europe, tem atuado com muita força nessa área, no combate às patentes de software que são aceitas em alguns dos países da Europa e eles têm conseguido evitar a propagação desses esforços lá, assim como o Brasil e a Argentina conseguiram evitar as patentes de software na América Latina, que os Estados Unidos buscavam trazer através da Alca. Na Índia, onde também há uma Free Software Fundation, existem diversos estados – a Índia é um país muito grande e muito desigual, tem muitas línguas muitas e culturas diferentes la dentro, é bem diferente do Brasil. Existem alguns estados na Índia que têm tido muita força na adoção de software livre e na busca das liberdades, em grande parte pela atuação da nossa irmã indiana. Não consigo dizer a posição do Brasil nesse ranking, mas eu gostaria que fosse bem maior, apesar de tudo que se faz.

Zero: O que diferencia a agenda da FSFLA de outros projetos?

AO: Há muitos projetos que atuam no sentido de difundir o software livre e isso é ótimo, mas não é o mais importante no nosso entender. No momento em que você difunde o software livre, oferece o software livre como uma alternativa, você está dizendo para as pessoas "olha, você pode escolher entre isso e isso", o que não é mau. Mas o que nós entendemos é o que o software não livre é uma ameaça à sociedade. Os softwares que proíbem as pessoas de compartilharem, de serem solidárias, de ajudarem umas as outras, proíbem a difusão da cultura, são uma ameaça a nossa sociedade. Da mesma maneira que quando você vê uma propaganda na TV ou um filme, vai ao cinema, ou compra um DVD na sua casa, e ali diz que compartilhar é crime. Quando isso passa a ser ensinado às crianças nas escolas, vira uma lavagem cerebral perigosíssima para sociedade. Antes ensinavam para levar o brinquedo ou lanche pra escola e compartilhar com os amigos. Isso gera um bom comportamento social. No estado de São Paulo passou um convênio do governo estadual com a Microsoft pra ensinar nas escolas que compartilhar é feio, é errado, é crime. Como é que fica a cabeça da criança quando você diz, "não pode ajudar seu amigo, não pode ser legal com seu amigo", porque é mais importante assegurar o lucro de um intermediário, que nem repassa o dinheiro paro autor, do que fomentar uma sociedade cooperativa. Esse é o caminho pelo qual as pessoas estão deixando a nossa sociedade ir, é um caminho perigosíssimo. Onde é que a gente vai parar? Esse problema social precisa ser combatido, e não só oferecendo o software livre como alternativa, mas ajudando as pessoas a entenderem que aceitar as restrições impostas sobre o software que não é livre, ou através deles, é jogar contra a sociedade. No momento que você aceita uma restrição como essa, e ainda paga por ela, não está só dando um tiro no seu próprio pé, está destruindo a solidariedade, destruindo a sociedade, dando força, dinheiro, recurso para quem quer destruir esses valores. As pessoas falam em liberdade de escolha, mas é preciso lembrar que a liberdade de um vai até onde começa a liberdade do outro e se você dá força a alguém que cerceia a liberdade de todo mundo, não está agindo só dentro da sua liberdade, está invadindo a do outro. Talvez o trabalho mais importante da FSFLA, que muito pouca gente da área de software faz, é olhar para essa questão do ponto de vista social. Não do ponto de vista técnico, ou do ponto de vista econômico, mas do ponto de vista da sociedade, de valores morais, e falar "gente, vocês precisam pensar nisso, não podem deixar que essas restrições acabem com nossa sociedade".

Zero: O site da FSFLA diz que as licenças livres, GPL e LGPL, têm sido objeto de ataques em todo mundo. E que tais ataques se baseiam fundamentalmente na divulgação de informações errôneas, que geram temores e dúvidas sobre sua aplicação. Que informações errôneas esses ataques transmitem? Por que são equivocadas?

AO: Existem basicamente duas frentes de oposição à GPL. Uma vem de pessoas que não entenderam o propósito da licença, que não é só respeitar, mas defender as quatro liberdades do usuário. Existem computadores hoje que são vendidos com software livre que não é mais livre, software sub-GPL, que foi corrompido no sentido de que a pessoas recebem o software, mas não conseguem gozar das liberdades porque o computador não permite que ela faça isso. Existem computadores que são, por exemplo, telefones celulares, videocassetes digitais, que estão programados pra fazer uma coisa e que só o fornecedor consegue alterar. O usuário não consegue, embora o programa seja Software Livre, porque o computador impede o usuário de experimentar uma modificação e fazer com que o software faça o que ele quer, e não o que o fornecedor quer. Esse tipo de restrição normalmente é implementado para impedir o usuário de fazer determinadas coisas. É usado para implementação de Gestão Digital de Restrições (DRM). É software que está programada para, por exemplo, quando o usuário tentar gravar um programa de televisão no vídeo cassete digital, o aparelho fala, "esse programa eu não vou deixar você gravar". Porque o fornecedor do programa não quer. Se o software fosse livre, eu poderia remover esse teste, eu poderia remover essa restrição do programa. Quando ele foi tornado não-livre, aí eu não consigo mais, aí só o fornecedor consegue decidir o que eu consigo fazer com o meu computador. Isso é inaceitável, isso desrespeita a liberdade do usuário. A GPL busca defender as quatro liberdades, entre elas a liberdade de modificar o software pra que ele faça o que você quiser. Quando apareceu uma provisão na terceira versão da GPL que trata desse assunto, de não proibir o usuário de modificar o software que esta no computador dentro do código que foi vendido, algumas pessoas se opuseram a isso, porque elas não estão preocupadas com a liberdade, elas estão preocupadas com a participação das empresas que vendem esses dispositivos no desenvolvimento do software que eles liberam. Como essa técnica é usada primariamente para implementar a gestão digital de restrição, e de fato a GPL versão três tem uma cláusula que trata especificamente das lei que foram projetadas para dar força legal à DRM, algumas pessoas confundiram as coisas e acharam que a licença proibia DRM, e que isso estaria ferindo uma outra liberdade fundamental, a liberdade de você implementar o que quiser no software. Mas a GPL não faz isso, ela não proíbe, você pode implementar DRM quando você quiser, o que você não pode é impedir as outras pessoas de modificarem o software, o que significa que elas podem desfazer o que você fez. Se elas não puderem, então o software não é livre. Essa é uma das frentes de ataque, as pessoas que usam a idéia errada de que a versão 3 da GPL proíbe a DRM. Ela não proíbe. Ela proíbe a proibição de modificações, proíbe o uso das leis que dão força a DRM para impedir o usuário de fazer modificações.

A outra linha de ataque, não é especificamente contra a GPL, mas contra toda a idéia de software livre. O ataque é baseado na idéia de patentes de software, que é um tema muito extenso. Basicamente uma patente desse tipo não deveria ser aceita no Brasil, a lei de patentes brasileira explicitamente proíbe isso. Mas o Instituto Nacional de Propriedade Industrial, que é o depósito de patentes no Brasil, aceita e concede esse tipo de patentes regularmente, embora se entenda que hoje elas não têm nenhum valor no Brasil. Agora, se um dia a lei mudar, então as patentes já concedidas, que não deveriam ter sido, passam a permitir que o dono da patente impeça qualquer outra pessoa de implementar a idéia descrita naquela patente. Isso é um tremendo problema porque a computação sendo tão nova como ela é, tem muitas idéias relativamente óbvias que vem sido submetidas a escritórios de patentes e aprovadas, apesar da sua obviedade. Isso especialmente nos Estados Unidos, que é a terra em que as patentes de software foram concebidas pela primeira vez. Existe uma empresa chamada Microsoft, não sei se você já ouviu falar [risos], um dos seus fundadores, um tal de Bill Gates, em 1991, publicou uma frase que ficou muito famosa dizendo mais ou menos que se as empresas tivessem percebido o que elas poderiam conseguir através de patentes de software elas teriam começado muitos anos atrás a patentear tudo e hoje a indústria de informática estaria completamente estagnada. Ele falou isso em 1991. É, ele é um visionário [risos], porque infelizmente as empresas perceberam o tamanho do estrago que elas poderiam fazer e hoje as patentes de software são usadas, não como um mecanismo de fomento ou desenvolvimento, mas como um mecanismo de impedimento à competição. As imensas empresas de software que existem buscam patente sobre técnicas absolutamente triviais e usam essas patentes não só para excluir, no sentido de que uma empresa que quer entrar no mercado deva evitar tecnologias patenteadas, mas como mecanismo de geração de medo pra quem quer utilizar as tecnologias. Não só está ameaçando os inovadores, as pessoas e empresas que poderiam estar de fato criando tecnologia, gerando competição e com isso levando a um mercado mais livre, mas também está colocando medo nas pessoas, de modo a dar uma razão a mais para elas se manterem no desconforto conhecido, utilizando software que tem todos os problemas que a gente sabe que tem, mas que as pessoas de alguma maneira se acostumaram a usar.

Zero: As licenças do Projeto GNU podem ser consideradas um método prático para combater os direitos de propriedade intelectual na área da computação?

AO: Propriedade intelectual é um termo que não faz o menor sentido. A idéia de propriedade tem a ver com uma exclusividade, por exemplo, se você me dá um pão, eu tenho um pão a mais e você tem um pão a menos, a propriedade sobre o pão decide quem de nos dois tem o pão, quem de nós dois pode comê-lo. Você aplicar isso ao imaterial, ao intangível, não faz o menos sentido! Se eu te dou uma idéia, eu não fico com uma idéia a menos. Tomas Jefferson dizia que se você acende uma vela usando a chama de outra vela, quem tinha a vela acesa não perdeu nada. Então não faz sentido falar em propriedade sobre coisas intangíveis. Especialmente hoje, que uma idéia expressa em meio digital pode ser copiada instantaneamente praticamente sem custo, não faz sentido falar em propriedade sobre as idéias e sobre as expressões de idéias. O termo propriedade intelectual é primeiro começar a confundir as pessoas, fazendo elas pensarem no imaterial como se fosse material, como se fosse tangível. Não é. A coisa fica pior ainda, porque usam esse termo pra se referir a um conjunto de leis que não tem nada a ver uma coisa com a outra. Usam propriedade intelectual pra confundir as leis de direito autoral, as leis de patentes, as leis de softwares, as leis de marca, as leis de desenho industrial, as leis de segredo comercial, ou segredo industrial. Existem leis sobre tudo isso e as pessoas às vezes fazem afirmações como "ah, está infringindo minha propriedade intelectual". Infração de direito autoral é uma coisa, você infringe direitos autorais de determinadas maneiras e as punições são de um jeito. Patentes são completamente diferentes disso, a caracterização do que é uma patente é completamente diferente, é sobre idéia com aplicação industrial, direito autoral é sobre a expressão da idéia, no direito autoral você tem que ter visto original para cometer uma infração, nas patentes você pode estar infringido sem nem saber que a patente existe. Marcas são outro conjunto de leis completamente diferente. Então, quando as pessoas falam em propriedade intelectual o único propósito é confundir. E nem sempre elas querem confundir, às vezes elas já foram confundidas e só estão simplesmente passando adiante a idéia. A gente não pode deixar essa confusão prevalecer, porque ela leva as pessoas a se enganarem. Não dá pra você pensar claramente a respeito do assunto confundindo tanto idéias tão diferentes.

Poderia dizer que é um método prático para combater os direitos autorais, por exemplo? Não, não é um método prático, muito pelo contrário, as licenças do projeto GNU são licenças de direito autoral, elas estão baseadas no fato de que as leis de direto autoral concede ao titular de uma obra a prerrogativa de decidir quem pode modificar a obra, quem pode distribuir a obra, de que maneira, dadas algumas restrições, porque nem tudo o titular de direito autoral tem o direito de controlar, embora haja uma pressão forte da indústria para tentar estender o que é possível controlar. Mas a gente precisa resistir e felizmente o ministério da cultural no Brasil atua com força nesse sentido, de impedir esse enrijecimento das leis. Então, a licença não combate o direito autoral, ela usa o direito autoral, o que a gente chama de copyleft, que na verdade é um resgate do propósito original de direito autoral. O direito autoral serve para beneficiar a sociedade, aumentando o número de obras disponíveis para toda a sociedade usar, oferecendo às pessoas um monopólio temporário sobram as obras que elas criam pra que elas tenham incentivo para criar mais obras e, depois, terminado o período de monopólio, a obra fica disponível para toda a sociedade. Essa é a lógica por trás de direito autoral. É um monopólio temporário concedido pela sociedade para benefício da sociedade. Aí tem gente que diz que não, que o autor tem um direito divino pra explorar comercialmente sua obra. A sociedade não é obrigada a respeitar nada disso, a sociedade decidi respeitar isso enquanto isso serve à sociedade. Através das leis, as leis que a sociedade (em tese uma sociedade democrática) deveria ser capaz de determinar e que servem aos seus próprios propósitos. Infelizmente isso não tem acontecido.

Supondo agora que estamos falando de patentes. Método prático para combater os direitos de patentes? Num certo sentido talvez, a GPL no momento que ela estabelece que você não pode restringir os direitos do usuário de modificar o software, de distribuir o software, além das restrições de respeitar também as liberdades dos outros, ela está de fato se posicionando contra as patentes de software. Isso já na versão dois ficava bem claro, ela dizia que se você aceita um licença de software que não pode permitir que os outros modifiquem o programa, então não pode mais distribuir o programa para os outros, porque se não você estaria distribuindo sem as liberdades. Estaria atuando junto com quem ofereceu a licença de patente para desrespeitar a liberdade das outras pessoas. A GPL não permite a distribuição nesses casos. A versão três diz que quando você distribui o software, você concede uma licença sobre as patentes que tenha implementadas naquele software, supondo que não vá se opor à modificações nele. Mas ela não consegue combater as patentes de software, exceto para quem queria participar do processo. Enfim, alguém que não tenha aceito a licença GNU GPL, a pessoa que não modificou o software, que não distribuiu, não tem a obrigação de aceitar a licença. Alguém que não tenha aceito, continua podendo por lei ter suas patentes de software nos EUA e usar essas patentes de software para impedir o gozo das liberdades por outras pessoas em relação ao software licenciado sob a GPL. Ela atua contra, mas ela não consegue anular as patentes de software, porque depende de uma pessoa aceitar os termos de licenciamento de um software específico para que a licença se aplique àquela pessoa ou àquela empresa.

Vamos supor que você está falando de marcas, logotipos, essas coisas. Não, absolutamente, a GNU GPL não trata de marcas, logotipos e nada parecido com isso. A GPL versão três fala especificamente que não trata desse assunto. As versões anteriores nem mencionavam esse detalhe.

Percebe como as respostas são completamente diferentes dependendo do assunto? Se eu supusesse que você está fazendo a pergunta sobre um dos temas, e desse a resposta, outra pessoa, que pensa em outro tema, poderia entender que a minha resposta se aplica a esse outro tema. É preciso evitar o uso do termo propriedade intelectual.

Zero: Em que a LGPL é mais permissiva que a primeira licença escrita por Richard Stallman? Que necessidade motivou a sua criação?

AO: Não sei qual foi a primeira licença escrita por ele. Sei que, antes de existir a GNU GPL, ele escreveu outras licenças que não eram gerais (aplicáveis a qualquer programa), mas sim específicas para o GNU Emacs e para o GCC. A GPL foi a generalização dessas licenças, estabelecendo que o programa sob ela licenciado, e qualquer versão derivada dele, só poderiam ser distribuídos sob os mesmos termos e condições, sem restrições adicionais.

Não havia necessidade de criar a LGPL. O que a motivou foram razões práticas. Se a biblioteca base do sistema estivesse sob a GNU GPL, nenhum programa baseado nela poderia ser distribuído sob termos de licenciamento diferentes.

Por exemplo, um programa sob a licença BSD original, incompatível com a GNU GPL, talvez pudesse ser distribuído em forma de código fonte, se o código fonte não fosse derivado da biblioteca do sistema GNU.

Porém, o processo de compilação e ligação (linking) do executável incluiria nele trechos de código da biblioteca, sob a GNU GPL. Portanto, tratando-se de uma licença compatível, não seria permitido distribuir o executável.

Como já existia um corpo relativamente grande de Software Livre sob outras licenças incompatíveis com a GNU GPL (Berkeley Software Distribution, TeX), que o projeto GNU gostaria de poder utilizar em seu sistema operacional, fazia sentido criar uma licença que permitisse a distribuição de programas combinados com a biblioteca principal do sistema. É isso que faz a LGPL.

O código licenciado sob LGPL, normalmente uma biblioteca, é Livre e copyleft, ou seja, qualquer versão modificada dele só pode ser distribuído sob os mesmos termos e condições, e as liberdades são parte integrante e inseparável do código. Mas é concedida permissão adicional para distribuir programas derivados da biblioteca sob outros termos, desde que esses termos permitam ao usuário gozar das liberdades sobre o código da biblioteca incluído no programa.

Zero: Os direitos dos usuários defendidos pela FSF, calcados nas quatro liberdades – desenvolver, usar, redistribuir e modificar todo o software – soa também como deveres, caso contrário, os usuários teriam a alternativa de distribuir um software livre alterado sem fornecer o código fonte, por exemplo - como é o caso das licenças de código aberto. Por que, então, são chamados de liberdades? Referem-se aos direitos da coletividade?

AO: Existe uma confusão muito comum que leva muitas pessoas a crerem que licenças de código aberto são significativamente diferentes de licenças de software livre, isso não é verdade. Só em um nível de detalhe muito fino. Tem gente que acha que Software Livre é só GPL, isso também não é verdade. Software Livre significa software que respeita as quatro liberdades, significa software que quando você recebe, sabe que pode executar o quando e para que quiser, sabe que pode estudar o software e adaptá-lo para que ele faça o que você quiser, pode compartilhar ou distribuir o software para quem você quiser, quando quiser, do jeito que recebeu ou pode melhorar o software e distribuir essas modificações. Isso significa que você é livre, que o software respeita essas suas quatro liberdades. Agora, não tem absolutamente nada contrário a idéia de respeito às quatro liberdades em dizer que você pode desrespeitar as liberdades dos outros, não existe nada na definição de software livre que diga que para você ter essa liberdade você também tem que respeitar a liberdade dos outros. Isso não faz parte do que significa Software Livre. Isso faz parte do que a GPL, que é uma das muitas licenças de software livre, faz. Como tanto a GPL quanto a definição de Software Livre vêm da mesma fonte, as pessoas tendem a confundir as duas coisas. E os defensores do Código Aberto se valem dessa confusão pra tentar promover a sua idéia como mais flexível. Mas isso não é verdade.

Zero: Eu tinha a impressão de que se você modificasse um software livre e resolvesse distribuí-lo, você tinha que distribuir como sendo um software livre também. Essa visão é equivocada?

AO: Essa visão é uma generalização inapropriada. Existem licenças de software livre que tem essa característica, são as chamadas licenças copyleft, que usam a lei de direito autoral para exigir o respeito a liberdade de outros, no que diz respeito àquele mesmo software, e existem as licenças que são mais permissivas, que permitem o desrespeito à liberdades de terceiros, e que se valem da integridade moral da pessoa que vai distribuir pra garantir que as liberdades sejam preservadas, ou de pressões econômicas, tem várias outras abordagens para justificar essa permissividade.

Agora, por exemplo, a GPL é tanto uma licença de Software Livre quanto uma de Código Aberto. A licença do MIT, a licença BSB original, a BSB modificada – são licenças extremamente permissivas – são licenças de Software Livre e são licenças de Código Aberto. As diferenças de definição entre o que é Software Livre e Código Aberto são muito pequenas, e as duas comportam toda a gama de licenças, desde as mais permissivas até as de copyleft mais forte. Têm as que vão exigir o respeito a liberdades dos outros, e têm as que vão dizer, "você pode fazer o que bem entender".

Zero: Nesse caso então, caberia entrar aqui na diferença entre uma licença de software livre e uma de código aberto?

AO: Sim. Em geral, uma licença de Software Livre é também uma licença de Código Aberto, e vice-versa. Uma diferença que existe é a seguinte, existe uma licença, na verdade uma meia dúzia de licenças, mas vou me concentrar em uma que caracteriza bem a diferença. Chama Licença Recíproca de Software. Ela é uma licença que estabelece que se você modifica o software, é obrigado a publicar essa modificação que você fez. A GPL não faz isso, a GPL diz que se você decide distribuir o software, então você tem que oferecer as mesmas liberdades. O que a Licença Recíproca diz é que se você modifica você tem que distribuir o software, tem que publicar a modificação, torna-la disponível para todo mundo – você não é livre para decidir se quer distribuir ou não. Essa obrigação fere a sua liberdade. Eu entendo onde ela quer chegar, mas a gente não pode ferir a liberdade de alguém para alcançar a liberdade de todo mundo. A GPL não restringe a sua possibilidade de distribuir, você pode distribuir, então não te custa nada oferecer, passar adiante a mesma liberdade, mas você não é obrigado a distribuir, é livre para distribuir. Essa é a idéia de liberdade. Isso é Software Livre, é a liberdade para cada usuário do software. A GPL vai além disso, ela não só respeita aquele usuário, ela está configurada para que caso o usuário venha a colocar o software nas mãos de outra pessoa, esse novo usuário vai ter também as liberdades que a pessoa que distribuiu tinha.

É por isso que eu brinco que o copyletf, assim como o copyright significa todos os direitos reservados, copyleft é para todos os direitos preservados. Que todo mundo que receba o software, receba o software com as liberdades. Se ele estiver sobre a GPL, claro. Isso também pode ser verdade para outras licenças copyleft. Se estiver sobre licenças mais permissivas, aí isso pode não mais ser verdade, por exemplo o sistema operacional Mac OS 10 da Apple, é baseado em um sistema operacional livre que se chama free BSD. Ele era livre, ele continuam livre, o free BSD continua existindo, sendo livre, mas as modificações que Apple fez para construir o Mac OS 10, não são todas livres. O software distribuído pela Apple não é Software Livre e não é Código Aberto.

Não são deveres, a idéia de Software Livre não estabelece obrigações, mesmo a GPL que é uma licença copyleft bastante forte, não estabelece obrigações, tanto que nunca ninguém foi processado por violação da GPL. Isso não faz sentido. O que você viola é o direito autoral. O autor do software te concede uma licença, eu te deixo fazer isso, isso e isso. Onde cada um desses issos é, por exemplo, permissão para executar o software para o que você quiser, você pode modificar o software, pode distribui-lo desse jeito, respeitando as liberdades dos outros, isso não está proibindo você de distribuir o software de outras maneiras, se você tiver permissão, você pode. Mas a lei de direito autoral diz que você precisa de licença do titular do direito autoral para poder fazer isso. Quando uma pessoa distribui sem respeitar as condições da licença, ela está agindo fora da licença, está fazendo uma coisa que a licença não permite, não está violando a licença, ela está fazendo uma coisa que a lei de direito autoral não permite, ela está violando a lei de direito autoral.

Zero: Ainda não ficou totalmente claro a diferença entre o software livre e o código aberto, no caso a GPL é os dois.

AO: A GPL é uma licença que não mostra nenhuma diferença, uma que mostra é essa Licença Recíproca, que eu mencionei. Enquanto, pra idéia de Código Aberto você obrigar uma pessoa a publicar qualquer modificação que ela faça, eles dizem, fomenta o motor de cooperação que faz avançar o modelo econômico, o modelo de desenvolvimento. Nós dizemos que não, você obrigar a pessoa a publicar suas modificações fere a liberdade do usuário.

Zero: Essa licença que você citou é uma licença de Código Aberto?

AO: Ela é uma licença de Código Aberto, mas ela não é uma licença de Software Livre. De fato, código aberto tem mais opções de licenças, mas é mais liberal? Não.

Zero: O GNU Linux é vantajoso para programadores e empresas pelo acesso ao código fonte, que possibilita a melhoria e customização do sistema. Quais as principais características que fazem dele vantajoso para usuários leigos?

AO: Bem, é verdade que o Software não-Livre nivele por baixo, deixando tanto programadores e empresas quanto usuários leigos igualmente impotentes e dependentes exclusivamente do fornecedor de cada Software não-Livre para qualquer necessidade não contemplada adequadamente pelo software.

Mas as liberdades respeitadas pelo Software Livre não beneficiam apenas aos programadores e empresas. É evidente que um programador pode ser capaz de aproveitar mais imediatamente a liberdade de estudar o programa e adaptá-lo às suas necessidades, mas nada impede um usuário leigo de aprender, através do estudo do software, e começar fazendo pequenas modificações no programa, para de repente vir a se tornar um programador.

Mesmo que não tenha interesse em aprender a modificar programas vai se beneficiar das liberdades. Todo mundo entende que um monopólio é prejudicial para o consumidor, por alterar a dinâmica do livre mercado. No caso geral, o monopolista controla preços e subjuga fornecedores e consumidores.

O que nem todo mundo enxerga é que todo Software não-Livre é um monopólio. Mesmo que, no momento de escolher um software para resolver um determinado problema, existam várias opções, no momento em que alguém opta por um Software não-Livre, passa a depender exclusivamente do fornecedor daquele software. O fornecedor passa a poder exercer sobre o cliente o mesmo tipo de controle que um monopolista qualquer poderia.

Por exemplo, se o cliente do Software não-Livre não está satisfeito com o desempenho do software, ou precisa de uma adaptação para que ele funcione adequadamente para o seu caso de uso, ou precisa urgentemente de uma correção para um problema de segurança ou qualquer outro tipo de erro que o afeta, tem como único recurso o fornecedor do Software não-Livre. Se o fornecedor não tiver interesse em resolver seu problema, não tiver mais interesse em atender àquele software, ou o cliente não estiver disposto a pagar àquele fornecedor o preço pedido para uma adaptação, ou mesmo pela manutenção do programa, não tem a quem recorrer. Precisará decidir entre viver com o problema, pagar o que o fornecedor pedir, ou mudar para outro software, com todos os custos associados de re-treinamento, conversão de dados, etc.

Já quando o Software é Livre, não ocorre essa dependência. O cliente pode trocar de fornecedor de serviços quando quiser, sem nem mesmo mudar de software. Pode contratar quem quiser para prestar suporte, resolver problemas, fazer adaptações e melhorias, etc. Se um fornecedor desses serviços não lhe satisfizer, pode escolher outro, ou até mesmo contratar alguém escolhido cuidadosamente, ou fazer uma oferta pública na comunidade de desenvolvimento do software, para encontrar alguém que lhe resolva o problema. E, se não encontrar ninguém disponível, pode aprender sobre o software, ou contratar alguém para fazê-lo, e efetuar as próprias modificações, sem depender de mais ninguém. E pode até passar a oferecer esses serviços para terceiros. Quando o Software é Livre, o usuário nunca fica na mão. O software serve aos seus interesses, não aos interesses do fornecedor.

Mas nada disso é o mais importante. Além da paz de espírito de poder resolver seus próprios problemas, você ainda pode saber que, ao exigir o respeito às suas liberdades e ao respeitar as dos outros, você está fazendo bem à sua comunidade, à sua sociedade.

Quando um amigo lhe pede uma cópia de um software, mas você aceitou o software sob a condição de não copiá-lo para mais ninguém, você tem de decidir entre desrespeitar a licença e atender o pedido de seu amigo ou desapontar seu amigo e respeitar o fornecedor do software. Agora, respeitar quem lhe respeita e desrespeitar quem lhe desrespeita é moralmente razoável, embora o desrespeito seja indesejável mesmo quando recíproco. Portanto, o menor mal seria desrespeitar a licença e copiar o software para seu amigo. Mas o ideal é não ter de fazer um mal, evitando esse dilema.

Há duas maneiras de evitá-lo. Uma é não ter amigos. Os fornecedores de software proprietário, que buscam dividir os usuários e colocá-los uns contra os outros, e todos em favor do fornecedor, parecem buscar exatamente isso.

A outra é você nunca ter consigo um software que não respeite suas liberdades, ou que não possa compartilhar de forma que os outros tenham suas liberdades também respeitadas. Se não os tiver, nunca se verá nesse dilema moral. Se você não é respeitado nem pode respeitar aos outros, se aceita as restrições e as impõe ou repassa a outros, está trabalhando contra a sociedade. Se você pode fazer isso, está cooperando para uma sociedade justa e solidária. Essa é a maior vantagem.

Zero: Você acha que qualidade técnica do Windows, que deixa a desejar, vai fazer com que o usuário comum, que não entende nada de programação, queira migrar para o GNU Linux?

AO: É possível que ajude. Mas qualidade não é a razão para escolher a liberdade. A escolha da liberdade é um imperativo moral: o respeito à liberdade do próximo e a preservação dos valores morais do compartilhamento e da solidariedade.

Se alguém escolhesse Software Livre por ter melhor qualidade, por ser mais eficiente, mais barato, mais seguro, mais fácil de usar, ou qualquer outra razão, poderia mais tarde encontrar um outro programa proprietário que tivesse a mesma característica que levou à escolha do Software Livre em nível maior, e então a pessoa poderia ingenuamente trocar o Software Livre pelo proprietário.

Zero: Um texto do Word abre no OpenOffice, mas o contrário nem sempre acontece. Esse tipo de inconveniência do Windows pode afastar usuários do GNU Linux se eles precisarem, por exemplo, abrir arquivos em um ambiente de trabalho que utiliza softwares da Microsoft?

AO: O Software Livre em geral oferece melhor compatibilidade e interoperabilidade, coisa que os monopolistas proprietários buscam evitar, justamente para aprisionar seus clientes.

Assim, os monopolistas proprietários escrevem programas que armazenam informações em formatos secretos, que só eles sabem decodificar, de modo que usuários sempre pensem duas vezes antes de começar a usar outro programa similar, pois este provavelmente não será capaz de decodificar as informações gravadas anteriormente, ou o fará de maneira imperfeita, justamente pelas dificuldades para descobrir como a informação foi codificada.

Cada vez mais pessoas e governos têm percebido a necessidade de armazenar suas informações em Padrões Abertos Livres, para garantir a disponibilidade perene de suas informações. Com esses padrões, mesmo quando se deseje adotar outro programa que prefira formatos diferentes, a informação sobre como decodificar as informações no formato anterior está disponível. Se não houver um programa capaz de fazer a conversão, será possível escrevê-lo, sem necessidade de investigação com tentativa e erro para poder acessar dados antigos.

Ao invés de usarem essa incompatibilidade do Microsoft Office para se afastarem do Software Livre, minha sugestão é que busquem se livrar dessa dependência o mais rapidamente possível, escapando assim do aprisionamento, ao invés de prorrogá-lo ou até aumentá-lo, criando mais arquivos em formatos que venham a exigir conversão difícil no futuro.

É comum que custos de migração atribuam ao Software Livre o alto custo decorrente da dificuldade de conversão dos arquivos. Isso é um erro. A opção pelo Software não-Livre é que acarretou a dificuldade de conversão que se manifesta no momento de deixá-lo para trás. É o preço oculto na aquisição da licença, que só aparece quando o usuário busca sua alforria. Quanto vale sua liberdade?

Zero: Existem projetos de inclusão digital no Brasil que trabalham com a cultura do Software Livre?

AO: Certamente. O Computador para Todos é talvez o maior exemplo disso, pois os computadores comercializados através desse programa só podem conter Software Livre, ainda que a falta de fiscalização e de compreensão permitam que alguns fornecedores incluam Software não-Livre junto ao Software Livre do computador, violando as regras estabelecidas para o programa.

Muitíssimos programas de telecentros no país seguiram o exemplo de São Paulo e adotaram Software Livre, apesar de a administração de São Paulo estar tendo dificuldades para resistir às pressões do maior monopólio que o mundo já viu.

De fato, muitas iniciativas de inclusão digital e formação infantil e juvenil têm se convertido em programas de adestramento de futuros agentes do monopólio, na medida em que cedem às pressões e à ilusão de doações vultosas (na forma de licenças, que verdadeiramente não custam nada) e levam as pessoas a ingenuamente se prepararem exclusivamente para usar o software que vai alimentar o monopólio no futuro, quando o empregador tiver de adquirir a licença proprietária.

É uma pena que tantos agentes desses programas não questionem os interesses por trás dessas mentirosas doações, nem entendam que aprisionar uma pessoa é o oposto de libertá-la e que propagar a contra-cultura do Software não-Livre é pior que não fazer nada.

Zero: Em que projetos você está envolvido na FSFLA? E na Red Hat?

AO: Na FSFLA, tenho dedicado a maior parte de meu tempo a divulgar essas idéias e a buscar pessoas na América Latina dispostas a trabalhar conosco em nossas várias atividades e campanhas. Nossas campanhas mais importantes são contra os Softwares Impostos pelos governos aos cidadãos, como por exemplo o Software não-Livre e inseguro ilegalmente publicado pela Receita Federal para preenchimento e transmissão da declaração de imposto de renda; contra a Gestão Digital de Restrições (DRM); e em favor de Padrões Abertos Livres, formatos de armazenamento de dados que não aprisionam o usuário a um software ou fornecedor específico.

Na Red Hat, trabalho no desenvolvimento de ferramentas de desenvolvimento, todas livres, quase todas parte do projeto GNU. Meu foco atual tem sido na geração, pelo compilador GCC, de meta-informação a respeito do programa, para que não só o uso de depuradores seja mais agradável mesmo em programas otimizados, mas também para que software de monitorização e detecção de condições de falha possa operar com maior confiabilidade sobre programas otimizados.

Zero: Como vai a campanha da FSFLA contra o software da Receita Federal? Fale um pouco sobre a idéia de criar um software livre para fazer a declaração de impostos e sobre a sensação de ser obrigado a usar o programa da RF .

AO: Estamos retomando o foco nessa questão, pois a Receita Federal normalmente libera uma versão de testes no final do ano. Poderemos então ter uma idéia de quantas de nossas reivindicações, na petição contra os Softwares Impostos pela Receita Federal, serão atendidas. http://www.petitiononline.com/irpf2007/petition.html http://www.fsfla.org/?q=pt/node/152

Quem se importa em poder saber o que o programa faz com as informações que recebe, quão segura é a forma de transmissão dos dados à Receita Federal, ou simplesmente faz questão de ter seus direitos constitucionais respeitados, deve assinar a petição enquanto ainda é tempo.

Eu, como uma das pessoas privadas da possibilidade de entregar a declaração de forma transparente e segura (em papel), precisei libertar o programa IRPF2007, através de engenharia reversa, para poder usá-lo sem trair minhas convicções filosóficas (um de meus direitos constitucionais fundamentais). Isso só foi possível graças a um número de erros técnicos e ilegalidades cometidos pela Receita Federal.

Talvez não os cometam na próxima versão. Tenho algum indício de que já entendem que não há razão técnica nem jurídica para manter esses Programas não-Livres, muito pelo contrário. Mas talvez ainda assim queiram praticar arbitrariedades abusivas, enquanto ninguém se levantar contra isso.

Se escolherem esse caminho, estou preparado para agir em defesa de meus direitos e os de todos os brasileiros, e sei que conto com apoio da FSFLA, embora o fato de ela não estar constituída juridicamente a impossibilite de se envolver diretamente em processos judiciais.

Zero: Quais são as perspectivas de popularização do Software Livre? As expectativas são a curto, médio ou longo prazo? Há ganhos recentes nesse sentido?

AO: Ao mesmo tempo em que é evidente o crescimento do uso de Software Livre, especialmente GNU/Linux, não mais apenas em servidores empresariais, onde começou a se consolidar, mas também em pontos de venda (praticamente todas as grandes cadeias de varejo no Brasil já migraram para Software Livre), telefones celulares (as próximas gerações de praticamente todos os fabricantes já vêm sendo anunciadas como baseadas em GNU/Linux) e diversos outros tipos de computadores e aplicações.

O computador para usuário final, embora já conte com as aplicações mais importantes (Navegador, E-mail, Suíte de Escritório, etc), enfrenta ainda o preconceito e o medo (em grande parte alimentados pelos inimigos da liberdade) e as dificuldades de migração intencionalmente introduzidas nos Softwares não-Livres, tais como a adoção de padrões proprietários para armazenagem de informação e o desvio intencional de Padrões Abertos Livres, exigindo que desenvolvedores de aplicações de escritório ou para a Internet decidam entre seguir os padrões internacionais vigentes ou atender aos usuários aprisionados pelo monopólio.

Essas dificuldades artificiais tornam a adoção mais lenta, mas o ritmo de crescimento vem se acelerando, especialmente com a rejeição das plataformas de DRM disfarçadas de sistemas operacionais oferecidas pela Microsoft e pela Apple.

Zero: Com uma possível popularização da cultura do Software Livre, qual o futuro para empresas mais tradicionais como a Microsoft?

AO: Charles Darwin tem a resposta: os incapazes de se adaptar perecem.

Até blogo...