Pô, Queiroz... Sei que a entrada de capital não digital (real$?) tá difícil, os anunciantes são escassos, e tal, mas... convém pensar um pouco mais antes de apresentar uma suspeita que não faz nem sentido, uma vez devidamente analisada.

(Sobre os anunciantes, é brincadeirinha, não seria certo começar a desbancar uma acusação leviana com outra, né? Até porque desqualificar o mensageiro, seja ele Luiz Queiroz ou Fernando Cabral, não desqualifica sua mensagem, por isso mesmo Ad Hominem é nome de falácia :-)

Deixa eu explicar, pra quem não sabe do que se trata. A Receita Federal está tentando fazer avançar uma licitação para compra de 44 mil licenças de Microsoft Office, ao invés de rever a licitação e abri-la para real concorrência. Detalhe: licitação pra ver qual de suas revendas a Microsoft escolhe pra ganhar não é concorrência.

Agora, sugerir que o sujeito encarregado de emitir um parecer está defendendo interesse próprio é não entender o propósito de licitação nem a dinâmica do mercado de Software Livre.

Primeiro, vamos ver o mérito da questão. Se o sujeito de fato tem uma empresa e ela tem condições de fornecer uma solução para o problema que a Receita Federal quer resolver, então a exclusão dessa empresa (e tantas outras similares) do processo licitatório sem uma excelente razão é por si só irregular. E, se a empresa dele não consegue resolver o problema, o próprio processo licitatório se encarregará de deixá-la para trás.

Quem tem medo da concorrência legítima, a ponto de forçar a barra para excluí-la?

Segundo, o texto sugere que o sujeito esteja operando em defesa dos interesses de toda a classe de "revendas Linux". Já começa errado, porque Software Livre normalmente não se vende; cobra-se por serviços prestados. A lógica é outra, e a construção do argumento já dá fortes sinais sobre onde a notícia foi plantada.

Fica pior quando se percebe que a lógica da defesa da classe é aplicável no caso de produtos Microsoft, pois toda a sua rede de distribuidores faz pouco mais que coletar os royalties e encaminhá-los ao fornecedor único, justificando tanto lobby para convencer e corromper a máquina pública.

Mas não faz sentido no caso do Software Livre: o dinheiro não vai parar todo no mesmo lugar, é concorrência de verdade. Cada fornecedor tenta maximizar suas conquistas, sem obrigação de dividir seus resultados financeiros com mais ninguém. Cooperam para desenvolver software, porque assim cada um recebe dos demais contribuições muito maiores do que seria capaz de produzir e contribuir sozinho (todos saem ganhando), e competem nos serviços oferecidos sobre ele (cada um ganha um pouco mais).

Outra confusão imensa nas sugestões descabidas e impertinentes é a de que isso tenha qualquer coisa a ver com Linux. A licitação não é sobre trocar o núcleo do sistema operacional usado na Receita Federal. Nem sobre o sistema operacional GNU, que muitos chamam erradamente de Linux. Nem mesmo sobre Software Livre, que muita gente também confunde com Linux.

O tema do debate é justamente a exclusão artificial, arbitrária e irregular de fornecedores de serviços sobre suítes de escritório que são perfeitamente capazes de atender às necessidades da Receita Federal, e que ainda evitariam os custos de longo prazo do aprisionamento dos dados que pertencem ao público brasileiro e estão a cargo da Receita Federal. Mencionar um núcleo de sistema operacional Livre neste debate é uma tentativa de confundir.

Fazer parecer que as mesmas empresas que oferecem serviços sobre sistemas operacionais Livres necessariamente os oferecem também sobre suítes de escritório é uma confusão compreensível, mas errada. O fato de uma mesma empresa monopolizar tanto o mercado de sistemas operacionais quanto o de suítes de escritório é uma distorção, criada através da exploração inteligente do primeiro desses dois monopólios, mas não amarra as duas coisas.

Computadores e sistemas operacionais são às vezes vendidos sem suítes de escritório, ou com suítes de escritório de fornecedores diferentes do sistema operacional. Embora praticamente qualquer distribuição GNU+Linux inclua uma ou mais suítes de escritório (assim como vários computadores vendidos com MS-Windows incluem o MS-Office), nada impede o usuário de instalar e usar outra que não esteja no pacote original.

E, surpresa, a mesma idéia funciona no MS-Windows: se você não quer gravar seus arquivos em formatos que só a Microsoft sabe direitinho como decodificar, ou que só a Microsoft tem patentes e licenças de patentes de terceiros para decodificar, pode instalar agora mesmo o BROffice.org ou qualquer outra implementação do Padrão Aberto Livre Internacional ODF (ISO 26300:2006).

Sim, BROffice.org tem versão pra MS-Windows. Sim, ele também abre e grava arquivos nos formatos do Microsoft Office. Sim, você pode até baixar de graça se quiser. Sim, você também pode escolher contratar serviços sobre ele, mesmo se o tiver obtido gratuitamente. Não, não precisa contratar os serviços de alguém que esteja envolvido em seu desenvolvimento: você pode escolher livremente quem você quiser para prestar esses serviços. Pode até prestá-los você mesmo, se preferir.

É aí que fica evidente a fonte das suspeitas levantadas. Ao contrário do Microsoft Office, que de fato tem fornecedor único e muito preocupado em, digamos, preservar sua receita ;-), as suítes de escritório Livres são resultado dos esforços de muitos desenvolvedores, empresas e voluntários.

Não permitir a participação desse software na licitação é acabar com a concorrência e anunciar antecipadamente onde vai parar o dinheiro da compra, mesmo que seja impossível prever qual dos distribuidores intermediários vai intermediar a transação desta vez e quais outros vão apenas participar do teatrinho.

Permitir a participação desse software na licitação pode até conferir à empresa do levianamente acusado alguma chance de ganhar a licitação, mas só vai ganhá-la se tiver o mérito, porque, assim como sua empresa, muitas outras vão poder participar, e aí vai de fato haver competição. Vale lembrar que qualquer um, inclusive a própria Microsoft, pode oferecer soluções baseadas no BROffice.org e outras implementações Livres de ODF. De novo, quem tem medo da concorrência legítima? E do Livre Mercado?

Queiroz, uma sugestão pra você, de alguém que tem experiência no desenvolvimento colaborativo de Software Livre: verifique fontes cuidadosamente e leia as linhas e entrelinhas do que você recebe antes de usar ou passar adiante. Isso vale para jornalismo responsável também ;-)

Até blogo...

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